Têm toda a propriedade as celebrações que vamos empreendendo em torno dos novos adventos tecnológicos ocorridos no meio televisivo – e pouco tempo faltará para que a TV simplesmente não faça sentido sem as prerrogativas da TDT, da IPTV, da HD, da produção multi-plataformas ou de tantas outras inovações recentes. Até porque a esse salto tecnológico tem correspondido um salto na qualidade da produção, permitindo a este amplo e democrático meio de comunicação manter-se na vanguarda da cultura pop.
Com a televisão 3D, é outra coisa. Num momento em que a Sony se prepara para lançar os primeiros televisores tridimensionais, convém olhar para as mais recentes experiências realizadas, nesse âmbito, no universo do cinema. O que foi Um Conto de Natal, afinal? O que foi, antes dele, A Noite dos Mortos Vivos 3D? O que foi, até, Avatar? Experiências em torno da tecnologia, não mais – exercícios de forma a que o conteúdo não correspondeu, relegando para secundaríssimo plano as personagens, a intriga e os dilemas humanos sobre os quais deve assentar uma ficção.
O problema era expectável: todas as revoluções vêm alcandoradas de um subsequente período de transição e de caos. Mas não deixa de ser aborrecido. Porque o mais que se pode prever agora é que, ao longo dos próximos anos, a TV vire numa espécie de delírio incandescente sem pessoas lá dentro. Haverá abismo, claro – mas será o abismo da própria caixa, não daquilo a que ela servia de meio. E, quando a ficção coloca a tónica na forma, mais do que no conteúdo, uma de duas coisas acontece: ou reescrevemos o Tristram Shandy; ou acabamos a brincar ao fogo de artifício. Quase sempre acabamos a brincar ao fogo de artifício.
CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 11 de Março de 2010