O novo formato de Judite de Sousa, Vidas (estreia marcada para segunda-feira, na RTP1), provoca a melhor das expectativas. Quando tantos outros programas vão copiando a já batida fórmula de Nós Por Cá (até Sinais de Fogo, de Miguel Sousa Tavares, reedita em momentos o tom “desmascarador” do magazine de Conceição Lino), a ideia de fechar o ângulo na pessoa, no indivíduo, na célula, é quase luminosa.
As dificuldades serão duas: encontrar as histórias verdadeiramente boas, uma vez que a procura depende ela própria dos testemunhos pessoais (e os protagonistas anónimos nem sempre têm uma ideia muito clara do que vale aquilo que viveram); e ser capaz de contá-las com alguma amplitude de movimentos (vencendo, por exemplo, as barreiras que se colocarão ao exercício do contraditório).
Todos sentimos, em algum instante das nossas vidas, a necessidade de ajustar contas com alguém. Por outro lado, todos somos também, durante a vida inteira ou apenas num dia só, gabarolas. Despistar as vingançazinhas e a bazófia – eis um dos desafios da produção. Sendo que o outro é, naturalmente, ser capaz de revestir as histórias de alguma coerência, tal é a fragmentação com que os cidadãos não habituadas à comunicação recordam as histórias que viveram.
Em muitos casos (como aconteceu com as experiências feitas neste campo pelos programas da day time TV), acabamos por ir dar a histórias conhecidas e já contadas, partindo então do princípio de que o público se esqueceu delas. Há que resistir a essa tentação. Portugal está cheio de histórias. Cada homem é, em si, um longo romance. O que é preciso é identificar bem onde está o dilema – e, depois, saber contá-lo.
CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 6 de Março de 2010