Ansioso pelo final do julgamento do chamado “processo Casa Pia”, Carlos Cruz parece cultivar algumas expectativas quanto a um regresso ao pequeno ecrã – e a entrevista concedida há algumas semanas ao jornal 24horas por Frederico Ferreira de Almeida, patrão da Fremantle e seu amigo pessoal, parece ser disso prova. Diz Ferreira de Almeida que o apresentador ainda tem lugar na televisão. Mas o facto é que a questão deve ser colocada precisamente ao contrário: ainda deverá a televisão ter lugar na vida de Carlos Cruz?
A reposta depende em parte da sentença: uma condenação roubar-lhe-á qualquer possibilidade de reaver um dia sequer uma fracção da empatia que já teve com os telespectadores. Mas, mesmo que venha a ser absolvido, Carlos Cruz deve ponderar se uma exposição televisiva regular lhe trará mais vantagens do que prejuízo. Mesmo no melhor dos cenários, o mais provável é que o apresentador viesse a transformar-se numa espécie de atracção circense, alimentando todo o tipo de voyeurismos, incluindo todo o tipo de ajustes de contas subjacentes.
O facto é: os portugueses confiam pouco na sua Justiça. Trate-se ou não de uma suspeita legítima, têm dificuldade em encarar como inocente, hoje em dia, um cidadão absolvido (ou mesmo ilibado). Ora, a televisão, que a si mesmo se transformou num palco de demagogias e justiceirismos primários, amplifica qualquer gesto de desconfiança, sobretudo se dirigida aos ricos e aos famosos. É injusto e é cruel. Mas é assim – e, independentemente das vantagens financeiras que um regresso ao ecrã possa trazer-lhe, Carlos Cruz deve lembrar-se disso no momento em que, um dia, puder festejar a liberdade.
CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 21 de Fevereiro de 2010