Que Júlia Pinheiro e Fátima Lopes tratem com paternalismo os seus convidados anónimos, é fácil de perceber. Ricas e famosas, Júlia Pinheiro e Fátima Lopes fundam o seu sucesso ao mesmo tempo no carinho pelos pobres, pelos velhos e pelos coitadinhos e na exibição da sua superioridade em relação a eles. São duas personagens, mais do que duas pessoas – e, se os restantes pobres, velhos e coitadinhos se revêem no modelo de programa que elas fazem, é tanto pelo seu discreto charme burguês como por uma certa aspiração de se lhe equivalerem.
Mais curioso é especular sobre as razões que prendem esses pobres, velhos e coitadinhos ao seus pares que aparecem em As Tardes da Júlia (TVI), Vida Nova (SIC) ou outro programa do género. É a identificação com eles, o que os move? Estou em crer que não. Assiste-se durante alguns dias à nossa day time TV e, quanto a “casos da vida”, encontramos dois tipos de histórias. O primeiro fala de pequenos e grandes sucessos (embora raramente de sucessos monumentais, que este um país é minúsculo). O segundo fala de pequenos e grandes fracassos (embora raramente de fracassos monumentais também). E, lá em casa, as sensações são duas. Quando se trata de sucesso, a ideia é: “Bem esperto, o tipo. E eu também podia fazer aquilo, caramba!” Pelo contrário, quando se trata de fracasso, é: “Coitado. Apesar de tudo, estou bem melhor...”
Feitas as contas, trata-se sempre de feel-good TV – de televisão para fazer-nos sentir melhor na nossa própria pele. E não deixa de ser desconcertante, quanto à essência desta espécie, que tantas vezes esse sentimento dependa de percebermos o quanto outros se sentem mal na deles.
CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 20 de Janeiro de 2010