A provável saída de Marcelo Rebelo de Sousa da RTP é lamentável, mas esperada. Lamentável porque, num contexto de empobrecimento do horário nobre da RTP1, os seus comentários representavam um dos raros momentos em que o espectador era instado a tomar consciência do mundo que o rodeia, fintando o alheamento proposto pelas “variedades”. E esperada porque, para além das manifestações de desagrado do próprio em relação aos horários que o canal lhe reservava, a verdade é que Marcelo nunca conseguiu reeditar, na estação pública, o impacte transversal que conseguira na TVI.
É pena ver desfazer-se a dupla com Maria Flor Pedroso, a sua melhor interlocutora nestes anos todos. De resto, Marcelo mantém os méritos dos melhores tempos. Tem excelente noção do ritmo televisivo, um perfeito sentido de timing na gestão da punchline e a sábia consciência de que as emoções do público devem ser geridas em ciclos, com altos e baixos, momentos para rir e momentos para pensar. É claro e é malicioso ao mesmo tempo, é assertivo e é sonso logo a seguir – e nunca se esquece de que, lá em casa, entre a massa informe que o acompanha, há gente de todos as sensibilidades e dimensões intelectuais. Mal faz a SIC se não o disputar à TVI, aliás.
E, no entanto, o seu novo interlocutor, qualquer que ele seja, terá de estar atento à carregadíssima agenda de interesses políticos que o professor tem para gerir nos próximos anos. Que Marcelo renderá audiências, não duvido. Mas, exposto neste momento ao stress de uma mudança de antena, fica provavelmente à beirinha de transformar-se naquilo a que os anglo-saxónicos chamam um loose cannon (ou um “canhão perdido”). Alguém tem de protegê-lo. A ele e a nós.
CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 14 de Janeiro de 2010