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30 Abril 2010

A notícia sobre os planos da RTP para lançar um novo canal de música não pode merecer outra coisa senão estupefacção. Depois de mais um ano a beber na inesgotável fonte do Orçamento de Estado (inesgotável para ela, isto é) e a vampirizar o mercado publicitário que devia caber em exclusivo às operadoras privadas, a estação pública parece determinada a alargar ainda mais o seu leque de canais, desta vez em parceria com a Portugal Telecom.

A notícia ainda não foi confirmada, mas também não foi desmentida – nem pela RTP nem pela PT, de que a Meios&Publicidade, que avançou com a informação, cita fontes oficiais. De resto, a possibilidade de a estação pública diversificar a sua oferta está em estudo desde pelo menos 2007, altura em que o projecto de novo contrato de concessão, da autoria do Governo, foi apresentado.

E a questão é muito clara: se se tratar de um bom negócio, em que o ratio entre o investimento e a facturação permita à RTP aumentar a sua independência financeira (reduzindo, ao mesmo tempo, a sua dependência do Orçamento de Estado), sim; se, pelo contrário, se tratar de  mais uma departamento para engordar a estrutura, por muito que meia dúzia de pessoas cheguem para fazer um canal de música, não.

Já o percebemos: enquanto Portugal for este Portugal, os portugueses estes portugueses e os políticos portugueses estes políticos portugueses, a RTP continuará a sugar o erário público. O mínimo que pode fazer, e já que não diversifica a sua carteira de produtos em áreas onde efectivamente possa ganhar dinheiro sem aumentar a concorrência desleal para com as estações privadas, é um esforço para gastar menos. Pode ser mais simples do que isto?

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 30 de Abril de 2010

publicado por JN às 23:58

28 Abril 2010

A primeira edição de A Última Ceia (SIC Radical, quartas-feiras à noite) teve coisas boas e coisas más. O início foi em formato stand up comedy, modelo que, como já aqui disse, começa a cansar. O sketch com o dentista revelou-se pobre – e a recta final do programa, com as punchlines que haviam sido rejeitadas, é uma experiência a não repetir. Já o arranque, com Rui Unas a ser caçado na floresta, foi brilhante. As entrevistas correram muito bem. E, sobretudo, o programa foi decorrendo em crescendo, tornando-se mais interessante, mais cómico e mais confortável com o tempo – e isso só acontece quando, conferidas as limitações do guião, o anfitrião chama a si o domínio dos acontecimentos, revelando-se depois suficientemente competente para assegurar o interesse.

Não me canso de dizê-lo: Unas podia ser o nosso grande apresentador de talkshows de primetime dos canais abertos – aquilo a que os americanos chamam um national television host. Porque, não sendo genial em nada, é, em Portugal, o profissional de televisão que em mais coisas diferentes se mostra “bastante bom”. Arrisca no humor, mas nunca se esquece do lugar onde está. Deixa brilhar os convidados, mas nunca perde a mão nas entrevistas. É culto, mas nunca deixa de maravilhar-se com uma descoberta com a qual os telespectadores devem maravilhar-se também. Questão de sensibilidade, claro: é da Margem Sul e filho de uma senhora que lê a revista Maria – conhece bem o povo e comunica bem com ele. E muito agradável seria, por esta altura, reencontrar na nossa national television alguém que estivesse lá para mais alguma coisa do que apenas para ser adorado.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 28 de Abril de 2010

publicado por JN às 23:09

26 Abril 2010

Sou, desde há pelo menos duas décadas, um grande adepto da stand-up comedy – e, da primeira vez que visitei Nova Iorque por mais do que um dia ou dois, não desperdicei a oportunidade de percorrer os bares e os restaurantes em busca de eventos afins, deliciando-me em especial com uma tribo que cirandava pelos lounges dos hotéis mais modestos da Lower East Side. De forma que aplaudi, rendido, o lançamento do género em Portugal, ocorrido com o lançamento de Levanta-te e Ri (SIC), em 2004.

Hoje, porém, é com preocupação que vou acompanhando notícias como esta que nos dá conta de mais um curso de stand-up ministrado pela Bang Produções. Porque o género teve um tal sucesso que, hoje em dia, não há em Portugal mais nada nos domínios do humor. É uma coisa moderna, provavelmente: também os americanos o fazem – também os talkshows e os programas de stetches e até a ficção norte-americana centram hoje na técnica de Seinfeld&Companhia todo o seu o seu contributo humorístico. Mas é pena.

Nem todo o humor, repito, é nonsense. E nem todo o humor, naturalmente, tem de basear-se num apresentador de pé a ler enlatados no teleponto. Portugal dispõe de uma longa tradição de comédia e já provou que não a sabe fazer apenas com base na “jocosidade”. E era interessante se parássemos para pensar nos modelos mais clássicos, fundindo géneros e diversificando os formatos.

Facto: enquanto os nossos melhores criativos se forem refastelando sobre fórmulas garantidas, continuará aberto o caminho ao triunfo do humor mais pobre e brejeiro. Por esta altura, já não devem faltar espectadores com saudades de Malucos do Riso e Camilo&Filho. Pudera.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 26 de Abril de 2010

publicado por JN às 23:42

25 Abril 2010

Não há um só cliché que Cidade Despida (RTP1, sextas-feiras à noite) não visite. Bastou um episódio para percebê-lo: está lá a inspectora bonita que se arma em durona mas no fundo é frágil, está lá o colega truculento que lida com os interrogados como um brutamontes, está lá o chefe com o casamento destruído e uma crescente tendência para a misoginia e está lá mesmo o marido (ou namorado, ou o que seja) pianista que toca peças ao telefone para compensar a inspectora pelo machismo e pela rejeição que a rodeiam.

Da mesma forma, não há um defeito comum à ficção portuguesa que Cidade Despida não reitere. O overacting chega a ser comovente (Catarina Furtado é trágica, mas Pepê Rapazote, um dos vilões do primeiro episódio, não lhe fica atrás), os diálogos surgem completamente desprovidos de oralidade, as cenas de acção são patéticas e a intriga desvenda-se de forma completamente abrupta. Tenho muita curiosidade, aliás, em ver como vão os argumentistas alimentar uma série de episódios depois de terem aviado um serial killer logo no primeiro – ainda por cima numa cidade como Lisboa, em que raramente se ouve sequer uma sirene.

Por outro lado, e sendo uma má série de televisão – no fundo, um produto especialmente modesto no domínio do policial –, Cidade Despida é também um pequeno passo em frente nos domínios da ficção nacional, onde não se tem feito outra coisa senão telenovelas chorosas e séries delicodoces para “entretenimento familiar”. Enquanto se mantiver circunscrita ao mercado nacional, na verdade, é inofensiva. O problema é que Catarina, conhecendo-a nós todos como a conhecemos, já deve estar cheia de sonhos de Hollywood.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 25 de Abril de 2010

publicado por JN às 23:14

22 Abril 2010

Sou da opinião, já aqui o disse, de que a RTP deve ser parcialmente privatizada – e por isso saúdo o surgimento de novo candidato a primeiro-ministro disposto a colocar o tema na agenda. Embora tenha diminuído a dívida em 2009, a estação pública permanece com um défice muito superior à soma dos défices da TVI e da SIC. Apesar disso, os portugueses continuam a injectar nela milhões e milhões de euros por ano. E, apesar disto, o canal 1 continua a operar quase livremente no mercado publicitário, vampirizando um investimento que devia reverter apenas para aqueles que não dispõem de financiamento público. Se esta concorrência é leal, então não sei o que é concorrência desleal.

O que me separa de Passos Coelho é talvez ser açoriano e saber, por experiência, que o serviço público é um conceito legítimo e necessário. Nos Açores, a televisão regional foi tão essencial para evidenciar uma identidade comum às várias ilhas como, em consequência, para solidificar uma autonomia política. Da mesma forma, a existência de televisão pública nacional permite corrigir assimetrias, garantir serviços mínimos aos mais carenciados e, de resto, veicular importante informação institucional. Em minha opinião, a RTP 2 deve continuar pública; a RTPN deve ser fundida nela; a RTP Memória não faz sentido; só deve existir um canal internacional; urge serem relançados os canais regionais da Madeira e dos Açores (este segundo em estertor de morte); e a RTP1, sim, deve ser privatizada.

O problema é que nada disto vai acontecer nesta geração – e que Pedro Passos Coelho, se um dia chegar ao poder, mudará de opinião (primeiro ligeiramente, depois em definitivo). Vai uma aposta?

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 22 de Abril de 2010

publicado por JN às 23:26

20 Abril 2010

O primeiro Lado B, novo programa de Bruno Nogueira na RTP1 (domingos à noite),  teve coisas que correram bem e coisas que correram mal. As piadas em torno da solidariedade para com a Madeira correram bem. A entrevista a Manuel Pinho correu mal. A veracidade da bofetada de Tânia Ribas de Oliveira correu bem. A rábula da leitura da pressão arterial correu mal. A entrevista a Ricardo Araújo Pereira, apesar de alguns momentos mecânicos, correu bem. O segmento com o pagador de promessas, embora a espaços curioso, correu mal.

É sempre assim com os novos formatos. E, como sempre acontece com os novos formatos, urge agora amadurecer. A atmosfera geral, por exemplo, não facilita o êxito do programa. Meio Late Night (de Conan O’Brien) e meio Cabaret da Coxa, com um ou outro momento de Portugal No Coração, Lado B acaba por ser demasiado parecido com 5 para a Meia-Noite, com a grande diferença de que tem uma banda residente que toca música tonta. Leva o humor um bocadinho ao limite, mas deixa as entrevistas a meio (não se pode convidar Manuel Pinho sem clarificar a fundo a cena dos “corninhos” ou a frase de Sócrates sobre a tia de Louçã). E, entretanto, corre riscos desnecessários, como aconteceu com a colagem aos Gato Fedorento na entrevista fictícia a Marcelo Rebelo de Sousa, aliás menos divertida do que o modelo original de RAP&Companhia.

De resto, subsiste o problema do ritmo, recorrente no universo do talkshow português. A RTP1 não é a SIC Radical. E, como os próprios Gato Fedorento provaram, quando se trata de um canal generalista a falta de ritmo pode não impedir o sucesso, mas apenas se o sucesso vier de trás. Bruno Nogueira não tem esse passado.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 20 de Abril de 2010

publicado por JN às 23:22

18 Abril 2010

O recente reforço dos conteúdos catch-up TV da Zon e do Meo assinala mais um salto em frente nos domínios da televisão de banda larga e volta a fazer evoluir o paradigma do consumo de TV em Portugal. Cada vez mais programas vão sendo colocados online nos espaços de videoclube dos dois operadores, permitindo a qualquer pessoa revê-los à hora que quiser (ou mesmo vê-los pela primeira vez se, à hora da emissão original, não só não houvesse conseguido chegar ao pé de um televisor como, inclusive, não tivesse à mão um PDA com que pudesse agendar, via web, a gravação do programa em causa).

Com isto, dois modelos de negócio ficam em risco. O retalho de aparelhos de televisão tem conseguido resistir, mas sobretudo em resultado da moda dos ecrãs plasma e dos LCD: assim que a generalidade do público já dispuser de flat screen, tornar-se-á urgente encontrar novo produto capaz de levar à manutenção dos níveis de consumo (menos no chamado “terceiro mundo”, onde o mercado tradicional ainda tem muito por onde crescer). Já o modelo de videoclube de bairro, como prova o encerramento da cadeia Blockbuster em Portugal, parece condenado: os espectadores têm cada vez mais filmes à disposição para aluguer na sua box – e, ainda por cima, têm também agora à mercê os programas de TV que não viram.

Para os consumidores de televisão de banda larga, o obstáculo passa agora a ser a tendência para a negociação de exclusivos, que também parece disposta alargar-se aos domínios da catch-up TV. Como sempre acontece, porém, o fracasso da tentativa de monopólio há-de levar à opção pelo oligopólio. Haverá desvantagens nisso. Mas a televisão continuara a crescer.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 18 de Abril de 2010

publicado por JN às 23:44

16 Abril 2010

À hora a que escrevo, ainda não sei o resultado do debate entre Gordon Brown, David Cameron e Nick Clegg, marcado para ontem à noite na ITV. Mas sei que se trata do acontecimento mais importante na política britânica desde o apoio de Tony Blair à intervenção militar de George W. Bush no Iraque. E sei que, mesmo tendo em conta as 76 regras definidas para o debate (e para os outros dois a realizar em Maio, um na Sky e outro na BBC), a política do Reino Unido nunca mais será a mesma.

Em 2000, quando se tornou no primeiro mayor eleito de Londres, Ken Livingstone começou assim o seu discurso: “Como eu estava a dizer há 14 anos, altura em que fui tão rudemente interrompido…” Presidente do Greater London Council até 1986, ano em que o órgão foi extinto contra a sua vontade, Livingstone vivera contrariado durante década e meia. Mas nem por isso alardeara o seu ressentimento: simplesmente calara-se, até que a História o reencontrasse.

Em muitos aspectos, e apesar da popularização promovida pela “Terceira Via”, a política partidária britânica manteve-se até ontem assim, elegante e circunspecta. Para escândalos, já havia a família real. Quanto aos partidos e à Casa dos Comuns, a TV esteve sempre presente, claro – e Blair é a mais cabal prova disso. Mas debates, não havia – e, portanto, nunca fora ela a ditar tão claramente as regras como a partir de agora.

Esta nova era significa, naturalmente, um reconhecimento da reiterada importância da televisão. Mas também que, a partir de agora, e como dizia em 1964 Alec Douglas-Home, pode efectivamente ser o melhor actor a ganhar as eleições. Nada a que a restante Humanidade não esteja já habituada, apesar de tudo.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 16 de Abril de 2010

publicado por JN às 23:42

14 Abril 2010

É difícil acreditar que o novo concurso de domingo à noite da RTP1, O Cubo, dure mais do que uma temporada, no máximo duas. Espécie de Jogos Sem Fronteiras em formato high tech, o programa é efectivamente um salto em frente nos domínios da tecnologia. Mas os jogos são demasiado desinteressantes para serem verdade – e não haverá seguramente muita gente para quem o espectáculo possa manter um mínimo de interesse a partir do momento em que eles começarem a repetir-se.

Jorge Gabriel, que é de facto o mais polivalente dos actuais profissionais da RTP, faz o que pode. O cenário, embora talvez excessivamente colado àquilo que se tornou regra nos concursos de horário nobre, também não destoa. Tudo o mais, porém, é realização. Os planos são óptimos – e a possibilidade de recurso à imagem rotation 3D, tipo Matrix, formidável. A sonoplastia  é cuidada – e a ideia de destacar os suspiros dos concorrentes dentro do cubo, género filme de suspense, muito boa.

O problema é que se trata de um programa sem pessoas. Mesmo os concorrentes mais carismáticos (como se esforçou por mostrar-se o segundo participante da edição de domingo passado, um professor de inglês com sotaque algarvio) acabarão sempre esmagados pelas máquinas. E, como nos mostra a nossa já longuíssima tradição de concursos de primetime, os espectadores gostam de programas com gente dentro – gente com quem possa solidarizar-se ou divertir-se, enternecer-se ou mesmo ressentir-se.

Tecnicamente inovador, O Cubo nunca seria um desperdício: é uma experiência com que a RTP fica. Urge, no entanto, encontrar melhor utilidade para essa tecnologia. Por aqui é que não é.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 14 de Abril de 2010

publicado por JN às 22:52

12 Abril 2010

De todas as sugestões e reclamações que vou recebendo a propósito desta coluna, o tema mais recorrente é talvez o dos alinhamentos dos telejornais. Para muitos espectadores, a forma como as notícias se sucedem não faz sentido. Os serviços noticiosos, reclamam, são capazes de abrir com desporto, passar ao nacional, saltar para o internacional, voltar ao nacional, tornar ao desporto, alternar temas do dia e fait divers algures pelo meio – e muitas vezes, ao fim do jornal, ninguém percebeu ainda o que é decisivo, o que é importante e o que é curioso.

O método tem uma justificação: ao contrário dos leitores dos jornais, que regra geral são metódicos e procuram “navegabilidade”, os espectadores de TV são impacientes e implacáveis, mudando de canal à mais pequena desaceleração de tom. Naturalmente, os leitores de jornais e os espectadores de TV são muitas vezes as mesmas pessoas. Mas a mudança de registo transforma-lhes a personalidade – e um telejornal que não lhes injecte adrenalina a cada dois minutos, provocando-lhes uma vertigem imediatamente a seguir a pô-los a pensar, jamais vingará em sede de share.

Pode-se perguntar se isso é jornalismo ou espectáculo. Talvez seja um pouco de ambos. Mas é jornalismo, com certeza. Nos tempos que vivemos, e em parte devido aos modelos de comunicação que a Internet desenvolveu, o consumidor de informação é muito mais um respigador do que um cliente habitual – e ao jornalismo passou entretanto a impor-se a necessidade de espalhar estrategicamente a informação, de forma a que ele tropece nela. Sem tropeçar, hoje em dia, ninguém se senta no sofá. Não para inteirar-se do estado do mundo. Que interesse teria isso?

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 12 de Abril de 2010

publicado por JN às 23:31

10 Abril 2010

Para centenas de milhões de espectadores ao redor do globo, está desde já encontrada a decepção do ano: afinal, ninguém viu em directo o primeiro buraco de Tiger Woods no The Masters, primeiro torneio do número 1 do ranking mundial de golfe após a reclusão de cinco meses a que o próprio se votou na sequência do escândalo sexual em que se envolveu. Na hora da verdade, a organização do Augusta National, a quem cabe a produção das imagens, não conseguiu injectar o sinal no satélite, frustrando o acordo firmado com estações do mundo inteiro (incluindo, em Portugal, SportTV Golfe).

E, porém, a própria intenção tem significado. Porque, a não ser talvez Barack Obama, não há hoje outro homem capaz de mobilizar esta expectativa. Era tal a euforia dos adeptos do golfe que, com o chamado world feed circunscrito às habituais três horas e meia de directo, a organização do primeiro major de 2010 programou uma emissão prévia de alguns minutos só para acompanhar, em jeito de edição especial global, o primeiro buraco de Tiger. E, isso, nem Michael Jordan nem Michael Schumacher conseguiram quando voltaram às respectivas modalidades.

Filho de um afro-americano e de uma tailandesa, Woods é, na verdade, a verdadeira antecâmara de Obama. Provavelmente o melhor jogador de uma modalidade com 250 anos de história, impôs o respeito das elites pelas minorias étnicas – e, quando está ausente, leva as audiências do PGA Tour a baixar 40 por cento. Esta quinta-feira, e após cinco meses sem uma ronda competitiva, simplesmente desfez o campo de Augusta, com um -4 que o colocou de imediato na órbita da liderança. É um privilégio ser seu contemporâneo – ainda por cima na era da TV.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 10 de Abril de 2010

publicado por JN às 23:27

08 Abril 2010

O que neste momento se sabe sobre The Bruno Nogueira’s Show, o programa com que a partir de dia 18 a RTP1 espera recuperar o terreno perdido aos domingos à noite, é pouco mais do aquilo que o nome indica: que é um programa de Bruno Nogueira. Na verdade, isso é, em si, uma boa notícia: entre os actores da sua geração, Nogueira foi um dos que mais rapidamente se autonomizaram como personagem – e, não podendo ter Ricardo Araújo Pereira, dificilmente o canal público conseguiria melhor solução para servir de contraponto a Herman José, que no dia 17 passa a ser o anfitrião do canal aos sábados.

E, no entanto, é fundamental perceber que Bruno Nogueira foi sempre muito mais um actor do que um autor. Que, portanto, precisa de textos. Que, aliás, precisa de bons textos, porque o público português já aprendeu a ser exigente nos domínios do humor (vide o flop de Notícias Em 2ª Mão). E que, de resto, esses textos não têm apenas de ser bons, mas persistentemente bons, ao contrário do que acontece, por exemplo, com a rubrica Tubo de Ensaio, apresentada pelo próprio Bruno Nogueira na TSF, e na qual o actor se limita às vezes (às vezes, note-se) a passar uma canção ultra-brejeira, quase sem comentários, no pressuposto de que essa simples canção já será humor suficiente (ela e a espirituosidade de encontrá-la).

Já aqui falámos na insistência dos criativos portugueses na fórmula do nonsense, que vai passando de moda. E o mais provável é que o humor nacional esteja efectivamente a precisar de um novo fôlego, de um novo caminho. Se será Bruno Nogueira a encontrá-lo, não sei. Mas seria interessante se, pelo menos, não se limitasse agora a fazer o mesmo de sempre.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 8 de Abril de 2010

publicado por JN às 23:56

06 Abril 2010

Há algo de pungente e triste, já aqui o disse, na obsessão de Herman José quanto a um regresso imediato à televisão, confirmado o fracasso na TVI. Herman expôs-se demasiado durante demasiado tempo – e, por muito que a ele lhe pareça que está já há uma eternidade ausente dos ecrãs, para os telespectadores parece que foi ontem que estava a dizer brejeirices na SIC e que ainda esta madrugada desfilava a sua decadência na TVI.

Tampouco Herman alguma vez poderá tornar-se no Jô Soares de Portugal. Nem Jô Soares alguma vez foi tão brilhante como Herman José nem Herman José, apesar de tudo (e este “apesar de tudo” é ponderado), alguma vez foi tão culto como Jô Soares. Além do que, de novo, não passou ainda tempo nenhum. Basta Herman sentar-se por detrás de uma mesa, com uma coffee mug na mão, que de imediato o recordamos de cabelo platinado a pisar repetidamente o risco do bom gosto.

Mas o facto é: mesmo que não tenha hoje sequer uma fracção do valor de mercado que já teve, Herman José ainda tem valor como profissional de TV. José Fragoso, director de programas da RTP, percebeu-o bem e decidiu dar-lhe nova oportunidade. Em contrapartida, Herman prometeu-lhe não ceder à facilidade, consciente de que foi precisamente isso o que quase o aniquilou.

De modo que é difícil ler sobre a estreia de Herman 2010, marcada para 17 de Abril (e a anunciar hoje, segundo a imprensa), sem acalentar a vaga esperança de que, mesmo tendo namorado o naufrágio definitivo, o humorista ainda consiga recuperar a sua carreira sem ter de emprateleirar-se durante uma série de anos. Nesse caso, esta deixará de ser uma história triste. O que nunca deixará é de ser pungente.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 6 de Abril de 2010

publicado por JN às 23:09

04 Abril 2010

Noticia o Correio da Manhã que as mulheres (inclusive, supõe-se, as mulheres sozinhas) também já começam a subscrever o canal Venus. Só podemos lamentá-lo: homens e mulheres são diferentes e sempre olharam para o sexo de maneira diferente – e que cada vez mais mulheres recorram agora, como catalisadora erótica, à observação do sexo mais cru só pode ser sinal de que os velhos mistérios da relação homem/mulher se diluíram (por um lado) e de que há cada vez mais solidão (por outro).

De resto, a última coisa que o Venus é, e para usar as palavras da sua produtora, é um canal “para mentes audaciosas”. Diz Verónica Diez que os filmes do Venus se centram sempre numa “história” e que essas histórias decorrem “em cenários fantásticos que incluem praias paradisíacas e mansões fabulosas”. As praias são de facto paradisíacas e as mansões efectivamente fabulosas, embora sempre no sentido mais primário dos termos. Mas nunca há uma história. Há, quando muito, uma intriga – a história, e como dizia Jack Horner, o realizador porno de Boogie Nights, nunca passa da velha fórmula de “to grab a man and a woman and put them to fuck”.

Que milhares e milhares de anos de pornografia (e outros tantos milhares e milhares de anos de arte pornográfica) nos tenham trazido até aqui, ainda se percebe: a pornografia não é o único género de arte que se depauperou a tal ponto em que praticamente já só subsista na sua forma mais primitiva. Que haja gente a fazer dinheiro  – cada vez mais dinheiro, ao que parece – com a disseminação do mau gosto naquele que era o último reduto da elegância e da delizadeza (as mulheres, sim, porque é que havemos de negá-lo?) é deplorável.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 4 de Abril de 2010

publicado por JN às 23:33

02 Abril 2010

A crescente obsessão com as crianças traz-nos agora Super Miúdos (RTP, de segunda a sexta, por volta das 22.00), um concurso que parece igual aos outros todos, mas na verdade é diferente. Como em todos os outros concursos de cultura geral, há perguntas. Como em todos os outros concursos de cultura geral, as possibilidades de ganhar dinheiro a sério são reduzidas. Ao contrário de todos os outros concursos de cultura geral, porém, o público em casa torce pelo fracasso dos concorrentes, no pressuposto de que, sendo os adversários crianças iguais às nossas, uma derrota de quem foi à televisão de alguma forma vinga a subalternidade de quem ficou em casa.

Pouco a dizer sobre a produção: o décor é o do costume, a realização é ágil e a apresentação de Sílvia Alberto competente (mesmo tendo em conta a precipitação de perguntas como “São casados?”, que às vezes levam os concorrentes a responder “Hããã…”). O problema é que, tal como acontece, por exemplo, quando se compara a versão  nacional de Ídolos a algumas das suas congéneres estrangeiras, os miúdos, em si, estão longe de serem “supertalentosos, superinteligentes e super-rápidos”. Só na primeira edição que tive a oportunidade de ver, ainda o programa não ia a meio e já as crianças tinham perdido cinco provas consecutivas.

Resta aos produtores, naturalmente, a ferramenta da ordem: centrar as questões no universo infanto-juvenil (como acontecia com Sabe Mais Que Um Miúdos de Dez Anos?), perguntando sobre os cantores ultra-pop, a reciclagem ou o número de vogais do alfabeto. O problema é que, a partir daí, usar a expressão “cultura geral” já não será uma demagogia, como é agora: será apenas uma mentira.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 2 de Abril de 2010

publicado por JN às 20:06

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Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003) e “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado... (saber mais)
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