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30 Janeiro 2010

O regresso da Rui Unas à apresentação, marcado para a Primavera na SIC Radical, é uma das primeiras grandes notícias do ano. Unas faz falta à nossa televisão – e é mesmo pena que continue, para já, à espera de uma verdadeira oportunidade no segmento generalista, incluindo o horário nobre dos canais de sinal aberto. Inteligente e culto, tanto quanto espontâneo e cómico, Rui Unas tem o perfil ideal para ajudar a elevar a fasquia da qualidade do nosso mainstream sem, ao mesmo tempo, a colocar tão alta que os consumidores de mainstream não consigam atingi-la.

Mas convém perceber as razões que estiveram por detrás do seu ocaso, ocorrido entre Cabaret da Coxa (SIC Radical) e Inimigo Público (SIC). Cabaret da Coxa era um prodígio de forma: um verdadeiro statement sobre a trash TV, as suas potencialidades e os seus limites – mas ao fim de algum tempo cansava, por falta de conteúdo. Pelo contrário, Inimigo Público, que de generalista só tinha o canal (o horário tornava-o inacessível), era um prodígio de conteúdo, tal como o era na altura a sua versão em papel – mas fora muito mal pensado do ponto de vista da forma e, ao fim de pouco tempo, adormeceu.
O que se espera do novo programa, que Rui Unas começará a apresentar depois das gravações de Viver É Fácil para a RTP (e cujo nome continua por anunciar), é que lhe proporcione finalmente uma forma que lhe permita exibir o seu próprio conteúdo, sem deixar de proporcionar-lhe também um conteúdo que o proteja dos seus próprios excessos de forma. Porque o facto é este: desde que o Gato Fedorento começou a gozar a enésima sabática, o humor televisivo nacional tem sido um deserto.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 30 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 23:14

28 Janeiro 2010

O handicap televisivo de Mário Augusto, jornalista com que a RTP decidiu reforçar-se para 2010, não é a vaidade que se desprende de cada uma das suas intervenções. Na verdade, Mário Augusto é um vaidoso controlado – um manipulador da sua própria vaidade, usando a proximidade pessoa com as super-estrelas de Hollywood (mesmo que forjada, se às vezes disso se trata) e o seu protagonismo em relação a elas para criar no espectador uma imagem aspiracional, com claros benefícios tanto para a criação da personagem como para a garantia de atenção. Nos EUA, é assim que se faz há muitas décadas – e, se nós reagimos mal a isso, é mais por ressentimento mesquinho do que por qualquer outra coisa.

O handicap televisivo de Mário Augusto não está, portanto, na forma: está no conteúdo. Como se viu durante os muitos anos que coordenou e apresentou 35mm, emitido tanto na SIC Notícias como nos canais TVCine, a sua visão do cinema é, não apenas “sobretudo” lúdica, mas “exclusivamente” lúdica, com tendência para reduzir a chamada Sétima Arte a uma mera sucessão de blockbusters, nas entrelinhas das quais espreita um ou outro objecto pitoresco a que apenas uma vez por outra vale a pena dar uma espreitadela, para calar os intelectuais. Por outro lado, e apesar da “amizade” com Harrison Ford, Tom Cruise ou Nicole Kidman, Mário Augusto continua a falar um inglês absolutamente macarrónico, quase cómico, enganando-se até nos títulos – e fazendo de Lauro António (às vezes até de “Lauro Dérmio”) uma espécie de novo Shakespeare.
Como será agora, na RTP, não sei. Mas talvez a preparação dos prometidos novos projectos devesse começar por aí: pelo polimento.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 28 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 23:53

26 Janeiro 2010

O divórcio entre a NBC e Conan O’Brien, o histriónico apresentador de The Tonight Show, é o mais perfeito laboratório para perceber o que é o horário nobre e o que são as massas que o alimentam. Assumido seguidor de Johnny Carson ou Bob Hope, mas muito mais devedor dos estilos de Mel Brooks ou mesmo Woody Allen, Conan O’Brien conduziu durante 16 anos o The Late Night Show, programa das madrugadas da NBC. Os últimos cinco, passou-os já com o estatuto de sucessor natural de Jay Leno no The Tonight Show, o programa de horário nobre – e, efectivamente, quando foi anunciada a passagem de Leno a um formato menos assoberbante, no ano passado, foi ele o promovido.

Pois a experiência durou apenas sete meses – e, agora que acabou, convém perceber porquê. Preocupados com a queda de Jay Leno nas audiências, os responsáveis da NBC chegaram à conclusão de que o que o seu horário nobre precisava era de carisma. Leno era demasiado institucional, a espaços quase cinzento – e O’Brien, com a sua popa “Le Coq Sportif” e as suas piadas arriscadas, teria provavelmente, nestes tempos de globalidade exaltada e insaciável, outra acuidade na conquista de novos públicos. Resultado: foi um flop, as desavenças entre o apresentador e a estação não tardaram – e, entretanto, Conan O’Brien vai embora e Jay Leno está de regresso.
A razão é simples: o horário nobre, nos EUA como em todo o mundo (incluindo em Portugal, em que o êxito de Gato Fedorento é uma excepção), pode ter uma certa declinação, uma tanta idiossincrasia, mas não pode nunca deixar de ser conservador. Horário nobre é mainstream e mais nada – e disto não havemos de sair tão depressa.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 26 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 16:41

24 Janeiro 2010

Sempre desconfiei da música cómica, sobretudo se tocada em tom nonsense – e que alguém algum dia chame “música” ao teatro musical (concedamos que se trata disso) dos Irmãos Catita ou de algum dos seus sucedâneos, Cebola Mol incluídos, é coisa que jamais deixou de provocar-me estranheza. De mesma forma que há escritores e “gente que escreve”, o que está longe de ser a mesma coisa, há músicos e “gente que toca” (ou canta). Os livros de quem escreve são livros, sim – mas nunca literatura. Os discos de quem toca são discos, sim – mas nunca música.

Pois os mesmos eufemismos se aplicarão a dois terços (ou três quatros, ou quatro quintos) dos temas candidatos ao Festival da Canção, incluindo os deste ano. Quem acompanha o velho certame da RTP, aliás, já não o faz sequer para ouvir música: fá-lo para assistir à festa, para ver os vestidos das raparigas, quando muito para accionar dentro de si próprio campainhas que evocam outros tempos. Se o faz no intuito de ouvir música, isso já diz mais sobre a limitação do seu entendimento do que sobre as potencialidades dos temas a concurso. E não me digam que gostos não se discutem, por favor: tirando exercê-los, não há mesmo nada melhor para fazer com os gostos do que discuti-los.
Isto para dizer que a exclusão dos Homens da Luta do Festival RTP da Canção, baseada numa tecnicalidade rebuscadíssima (a canção já teria sido ouvida em público, como de resto todas as canções cujos compositores testaram na família, nos amigos ou num grupo de editores), é um absurdo. Na verdade, os Homens da Luta tinham lugar no Festival. Lá está: é uma festa, não um tributo à música – e a própria festa, aliás, já precisava de alguma animação.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 24 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 16:05

22 Janeiro 2010

É costume dizer-se que o golfe não tem adeptos, mas apenas jogadores – e, até certo ponto, isso é verdade. E, porém, há algo numa transmissão televisiva da modalidade que a torna capaz de chegar a toda a gente. Para um golfista, cada pancada é uma vertigem – um abismo monumental, um stress difícil de explicar a um não conhecedor. Para um curioso é, apesar de tudo, um momento de pausa – um instante de descontracção, o calmante ideal para uma noite de insónia.

Pois o golfe torna-se hoje na primeira modalidade desportiva a dispor de um canal português exclusivamente dedicado à sua actualidade. As razões por que isso acontece são interessantes. Por um lado, e apesar de tratar-se de um nicho de mercado (há apenas 15 mil praticantes em Portugal), o seu público televisivo é fidelíssimo. Por outro, e apesar de vivermos tempos de crise, o Governo considera o turismo de golfe um sector estratégico para o país, o que transforma o novo canal ao mesmo tempo num contributo para esse desígnio nacional e num serviço que dele se alimenta.
Entretanto, e para os golfistas, trata-se da notícia do século. O SportTV Golfe, no ar a partir de hoje, é bilingue, o que não deixa de ser novidade relevante. Mas, sobretudo, trará todos os circuitos que interessam, centrando 80% da antena nas transmissões do PGA Tour, do European Tour, do LPGA Tour, do Champions Tour e de uma série de outros circuitos de homens, senhoras e veteranos, incluindo todo o Grand Slam, os torneios dos World Golf Championships e as grandes competições colectivas. Dizem os seus responsáveis que se trata de um dos melhores canais do mundo a nível de conteúdos golfísticos. Não vai ser fácil contestá-lo.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 22 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 22:59

20 Janeiro 2010

Que Júlia Pinheiro e Fátima Lopes tratem com paternalismo os seus convidados anónimos, é fácil de perceber. Ricas e famosas, Júlia Pinheiro e Fátima Lopes fundam o seu sucesso ao mesmo tempo no carinho pelos pobres, pelos velhos e pelos coitadinhos e na exibição da sua superioridade em relação a eles. São duas personagens, mais do que duas pessoas – e, se os restantes pobres, velhos e coitadinhos se revêem no modelo de programa que elas fazem, é tanto pelo seu discreto charme burguês como por uma certa aspiração de se lhe equivalerem.

Mais curioso é especular sobre as razões que prendem esses pobres, velhos e coitadinhos ao seus pares que aparecem em As Tardes da Júlia (TVI), Vida Nova (SIC) ou outro programa do género. É a identificação com eles, o que os move? Estou em crer que não. Assiste-se durante alguns dias à nossa day time TV e, quanto a “casos da vida”, encontramos dois tipos de histórias. O primeiro fala de pequenos e grandes sucessos (embora raramente de sucessos monumentais, que este um país é minúsculo). O segundo fala de pequenos e grandes fracassos (embora raramente de fracassos monumentais também). E, lá em casa, as sensações são duas. Quando se trata de sucesso, a ideia é: “Bem esperto, o tipo. E eu também podia fazer aquilo, caramba!” Pelo contrário, quando se trata de fracasso, é: “Coitado. Apesar de tudo, estou bem melhor...”
Feitas as contas, trata-se sempre de feel-good TV – de televisão para fazer-nos sentir melhor na nossa própria pele. E não deixa de ser desconcertante, quanto à essência desta espécie, que tantas vezes esse sentimento dependa de percebermos o quanto outros se sentem mal na deles.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 20 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 20:22

18 Janeiro 2010

A apresentação de Miguel Sousa Tavares como reforço da SIC é uma boa notícia para a estação, para os telespectadores e para a televisão em geral. Tanto na RTP como na própria SIC, onde trabalhou antes de dedicar-se à escrita (e depois ao comentário), Sousa Tavares foi sempre competente, assertivo sem se deixar cegar, comprometido sem se esquecer de que o interesse público está primeiro do que a conquista de audiências. Tanto quanto se pode perceber pelo que foi avançado, ainda não existe um modelo para a sua colaboração. Mas sabe-se que ela será intensa (o que é bom), que poderá passar pelo comentário (o que é melhor ainda) e que poderá mesmo incluir o jornalismo (o que seria excelente).

Mas há uma diferença entre o Miguel Sousa Tavares activo, chamando a si tanto a coordenação como a execução de formatos, e o Miguel Sousa Tavares “de prestígio”, vivendo do empréstimo do seu nome a projectos mais ou menos conseguidos, mas sem pôr a mão na massa. Disso tem Sousa Tavares vivido, em parte, nos últimos tempos. O que é legítimo, diga-se. Quem possui o valor de mercado dele tem inscritas na pré-história palavras como trabalho, rigor e transversalidade. Mas não deixará de ser um desperdício, estando Miguel declaradamente disponível para a acção, vê-lo reduzido ao papel de padrinho, mesmo que de uma estação inteira.
Uma entrevista semanal – eis o que seria especialmente enriquecedor para os telespectadores. Sim, a SIC tem Ana Lourenço. Sim, a SIC tem Mário Crespo. Mas a SIC não tem Judite de Sousa – e Sousa Tavares, sendo também essas coisas, podia, definitivamente, ser esse rosto “de Estado” que falta em Carnaxide.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 18 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 23:23

15 Janeiro 2010

A ATV tem toda a razão: Gato Fedorento Esmiúça os Sufrágios (SIC) foi o Melhor Programa do Ano de 2009 na TV portuguesa. A ATV tem toda a razão: Uma Canção Para Ti (TVI) é um programa paupérrimo – e, embora não seja tão abjecto como outros, fica tão bem como eles no papel de Pior Programa do Ano. A ATV tem toda a razão: o Jornal Nacional de Sexta-Feira (TVI) foi a Bronca do Ano – e foi-o quer isso da “bronca” se aplique à sua existência, quer se aplique ao processo da extinção, interpretação em que os jornais de ontem se dividiam.

Quando se tem toda a razão, porém, corre-se o risco de não se ter razão nenhuma. E é precisamente isso que acontece com a Associação dos Telespectadores de Televisão, cuja revisão de 2009 é mais uma daqueles balanços tão redondos, tão óbvios e tão institucionais que não iluminam um só espectador. É quase como se Francisco Teixeira da Mota e os seus consócios pegassem em tudo o que se escreveu ao longo do ano, o misturassem num destilador e depois abrissem a torneira ao mosto. No fundo, não descobrem um formato, não sublinham um canal, nem arriscam uma opinião nova que seja.
A atribuição do título Revelação do Ano à TVI24 é disso o melhor exemplo. Porque, se alguma coisa a TVI24 não foi, em 2009, é precisamente “uma revelação” (foi mais “um fracasso”, tanto de qualidade como de público). Fica bem dar-lhe uma palmadinha nas costas e instá-la a continuar, numa saudação ao jeito “rainha de Inglaterra”? Fica, claro. Mas, para isso, não é necessária uma associação que se auto-proclame representativa dos telespectadores portugueses. Os telespectadores portugueses gostam é de Uma Canção Para Ti – e precisam é de ser esclarecidos.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 15 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 23:48

15 Janeiro 2010

A provável saída de Marcelo Rebelo de Sousa da RTP é lamentável, mas esperada. Lamentável porque, num contexto de empobrecimento do horário nobre da RTP1, os seus comentários representavam um dos raros momentos em que o espectador era instado a tomar consciência do mundo que o rodeia, fintando o alheamento proposto pelas “variedades”. E esperada porque, para além das manifestações de desagrado do próprio em relação aos horários que o canal lhe reservava, a verdade é que Marcelo nunca conseguiu reeditar, na estação pública, o impacte transversal que conseguira na TVI.

É pena ver desfazer-se a dupla com Maria Flor Pedroso, a sua melhor interlocutora nestes anos todos. De resto, Marcelo mantém os méritos dos melhores tempos. Tem excelente noção do ritmo televisivo, um perfeito sentido de timing na gestão da punchline e a sábia consciência de que as emoções do público devem ser geridas em ciclos, com altos e baixos, momentos para rir e momentos para pensar. É claro e é malicioso ao mesmo tempo, é assertivo e é sonso logo a seguir – e nunca se esquece de que, lá em casa, entre a massa informe que o acompanha, há gente de todos as sensibilidades e dimensões intelectuais. Mal faz a SIC se não o disputar à TVI, aliás.
E, no entanto, o seu novo interlocutor, qualquer que ele seja, terá de estar atento à carregadíssima agenda de interesses políticos que o professor tem para gerir nos próximos anos. Que Marcelo renderá audiências, não duvido. Mas, exposto neste momento ao stress de uma mudança de antena, fica provavelmente à beirinha de transformar-se naquilo a que os anglo-saxónicos chamam um loose cannon (ou um “canhão perdido”). Alguém tem de protegê-lo. A ele e a nós.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 14 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 14:34

12 Janeiro 2010

Daniela Ruah é – sempre foi – uma mulher telegénica. Quem a via aos 17 anos em Jardins Proibidos, mesmo no pouco relevante papel de amiga da personagem principal (desempenhado por Vera Kolodzig), sabia que havia ali, se não talento, pelo menos beleza e à-vontade em frente às câmaras. Daí que encontrá-la em Investigação Criminal-Los Angeles (SIC), ao lado de uma estrela da dimensão de Chris O’Donnell (Perfume de Mulher e Batman&Robin, entre tantos outros), nos encha de tal ternura que quase nos esquecemos de que nem sequer se trata de uma portuguesa pura e dura, antes de uma nativa de Boston, Massachusetts, EUA.

O problema é que Investigação Criminal-Los Angeles (ou, no original, NCIS: Los Angeles), um pastiche de CSI, é uma série rigorosamente igual às outras todas, copiando a encenação desta, picando os dilemas daquela e roubando um bocadinho da sinopse de inúmeras outras. No máximo, tem uma personagem com graça: a directora de operações Henrietta Lange (interpretada por Linda Hunt), espécie de cruzamento entre as personagens “Monneypenny” e “Q”, da saga 007. Quanto ao protagonista (O’Donnell), não chega propor que seja órfão para fazê-lo mais espesso do que “Horatio Caine” (CSI: Miami) ou, sobretudo, “Mac Taylor” (CSI: Nova Iorque).
De resto, o genérico parece dos anos 90, a realização idem aspas, a banda sonora pouco mais do que isso – e a intriga, claro, deixa-se desvendar bem antes daquilo que o realizador pretenderia. De maneira que, no meio disto tudo, o ligeiro overacting de Daniela Ruah passa muito bem, obrigado. Uma mulher linda com um olho de cada cor – quem podia pedir mais para uma série assim?

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 12 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 23:28

10 Janeiro 2010

Pouco importa se o UFC, ou Ultimate Fighting Championship, é sancionado pelas americanas State Athletic Commissions (que, aliás, apenas foram criadas para sancionar o insancionável). O UFC é um espectáculo degradante, que não devia ter lugar na televisão. Nem sequer nas madrugadas da SIC Radical espaços onde a degradação, mais ou menos estilizada, sempre desempenhou papel de destaque.

Houve um tempo em que muitos jornais se recusavam a publicar notícias sobre o boxe, sublinhando a sua violência e ignorando assumidamente a sua nobreza. Ainda hoje, aliás, o livro de estilo do El Pais declara que “a linha editorial do jornal é contrária ao fomento do boxe”, renunciando o diário madrileno a publicar “notícias que possam contribuir para a sua difusão” – e muitos foram os que lamentaram o contra-senso recente de o jornal oferecer o DVD de Million Dollar Baby, de Clint Eastwood, aos seus leitores.
Pois, ao pé do UFC – como ao pé do vale tudo brasileiro, a primeira inspiração da coisa –, uma transmissão televisiva de boxe parece um programa da Baby TV. No UFC, vale mesmo quase tudo: pontapés e cotoveladas, fazer sangrar o adversário, sangrar para cima dele durante meia hora e continuar a espancar violentamente um homem mesmo depois de ele estar dominado, prostrado no chão ou, até, num estado de semi-inconsciência.
No ano passado, o lutador texano Sammy Vasquez foi directamente do ringue para a morgue. O que muitos estranham é que apenas agora tenha ocorrido uma morte. E o que eu estranho é que os pais portugueses permitam aos filhos oferecer à iniciativa da SIC Radical as audiências necessárias para o canal continuar com ela.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 10 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 13:50

08 Janeiro 2010

Tem toda a razão, o deputado Paulo Pisco: tanto a RTP Internacional como a RTP África estão ultrapassadas. A RTP Internacional, a RTP África e, aliás, a RTP Açores e a RTP Madeira. Há décadas que se convencionou que seriam assim, como são – e, quando alguém tentou que fossem de outra maneira, já não havia na casa gente, know how ou sequer paciência para mover a montanha. Resultado: esgotadas de recursos, são hoje todas, de alguma forma, uma janelinha para um certo Portugal antigo, dialogando pouco com este tempo e menos ainda com o público a que se destinam.

E o problema está na RTP1. Queira-se ou não, qualquer debate sobre o serviço público de TV terá necessariamente de ir dar a ele. É ele que enferma do equívoco original da auto-sustentação (de resto nunca conseguida) – e é ele que, sorvendo persistentemente todos os recursos da estação, verdadeiramente a afunda no pântano em tempos de crise publicitária. Tanto quanto parece a quem quer que se preocupe com este universo, a RTP deveria ter hoje cinco canais apenas: a RTP2 (incorporando o melhor da RTPN), os dois canais regionais, um só canal internacional e a RTP Memória.
Igualmente desprovida de recursos, a RTPN não se distingue o suficiente da concorrência privada. Já a RTP África simplesmente não tem sentido: a TV portuguesa não deve sentir obrigações de serviço público para com África. E todos os canais seriam francamente melhores com o dinheiro poupado com a privatização da RTP1. Eis a mudança que toda a gente sabe ser a mais sensata – e eis aquilo que levaria os portugueses a pagarem a RTP com outra bonomia. Mas quem terá algum dia coragem para atacar este problema?

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 8 de Janeiro de 2010
 

publicado por JN às 18:31

06 Janeiro 2010

Como qualquer outra estrela de uma temporada, Ídolos tem-nos trazido coisas boas e coisas más. Uma das coisas boas são os concorrentes: um belíssimo grupo de vozes e de carismas, de cujo casting a produção pode orgulhar-se. Outra é o interessante debate entre Manuel Moura dos Santos, Pedro Boucherie Mendes e Laurent Filipe sobre o que é (e o que deve ser) uma pop star do século XXI. E outra ainda é a capacidade de conquistar público com um mote apesar de tudo nobre (o talento musical), provando que estavam errados todos os que, como eu, julgavam que nem havia mais talentos por descobrir nem, aliás, interesse dos telespectadores nesses talentos.

No pólo oposto, estão os apresentadores, ambos fracos. Está William “King Of Love” Bulas, o concorrente fracassado feito repórter de circunstância, que de facto não tem piada nenhuma. Está Roberta Medina, que é linda, mas não sabe o que dizer. E está, sobretudo (e passe a embirração pessoal), a consagração definitiva dessa mania de chamar “uma música” a uma canção. Mas um poema é “uma poesia”? Um quadro é “uma pintura”? Uma casa é “uma arquitectura”? Então uma canção também não é “uma música”. Tanto quanto me parece, chamar “uma música” a cada canção interpretada é tão mau como chamar “um júri” a um jurado – e o facto é que erro está longe de ser cometido apenas pelos jovens concorrentes, sendo-o mil vezes repetido pelos apresentadores, pelos jurados e por quem mais intervenha no programa.
Continuemos assim e não precisaremos apenas de um acordo ortográfico, para disciplinar esta língua a que Pessoa chamou “pátria”: precisaremos de um acordo semântico também.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 6 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 23:53

04 Janeiro 2010

Não vale a pena disfarçar: a integração de Laurence Fishburne no elenco de CSI: Crime Sob Investigação, em 2008, foi sobretudo a procura de um derradeiro fôlego para a série. Responsável por vários dos projectos televisivos mais bem-sucedidos da última década, o produtor Jerry Bruckheimer sabia que CSI não tinha uma estrela com a pinta de Gary Sinise ou o carisma de David Caruso, como tinham respectivamente CSI: Nova Iorque e CSI: Miami. Mas também sabia que ela conservava o romantismo de fundadora do franchise – e decidira só intervir quando se tratasse de permitir-lhe uma última milha de vida.

Pois essa milha vai-se esgotando agora. Embora acabe de ser anunciada a gravação de uma décima temporada, a emitir no próximo ano, CSI: Crime Sob Investigação tem vindo a cair nos gráficos de audiências – e aquilo que começa a ficar claro, por esta altura, é que essa temporada será a última. De resto, percebe-se porquê. Baseadas nos mesmos pressupostos, no mesmo modus operandis e nos mesmos artifícios de realização, CSI e as suas spin-offs já se confundem umas com as outras – e começam a confundir-se também, todas juntas, com uma data de outros seriados que nelas se inspiraram.
Embora continuemos a celebrar a explosão de que a ficção televisiva foi alvo na última década, incluindo narrativas, meios de produção e estrelas envolvidas, a verdade é que a vitalidade desse universo começa a desvanecer-se. Depois de Os Sopranos, CSI, 24, Dr. House e Perdidos, tornou-se imperativo encontrar uma nova direcção no sentido da qual rasgar. Dexter já foi um passo pequeno, Flashforward é um ainda menor – e, entretanto, o aborrecimento vai-se instalando.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 4 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 23:25

02 Janeiro 2010

Já aqui falei na expressão “filme a designar”, que pulula um pouco por todos os guias de programação existentes no mercado, sejam eles impressos, online ou disponibilizados pelos próprios browsers dos operadores. Pois só este Réveillon, entre 31 de Dezembro a 1 de Janeiro, e somando apenas a SIC e a TVI, havia no browser do Meo 16 filmes “a designar”.

Se a alguém intriga a inexistência de um só bom guia de TV em Portugal (e incluindo, de novo, os jornais e as revistas, os sites e os browsers), eis aqui, portanto, a ponta do novelo. A ERC impõe a definição dos alinhamentos até escassas 48 horas de antecedência. E, embora já não vivamos no império da contra-programação (a saída de José Eduardo Moniz da TVI alterou por completo o paradigma), os canais privados continuam a aproveitar o mais que podem esse prazo, divulgando os alinhamentos quando já ninguém consegue publicá-los a tempo.
Talvez devesse haver, da parte dos operadores, outro tipo de agilidade, permitindo-lhes, embora com benefícios apenas para os seus clientes, suprir essa lacuna ao longo das ditas 48 horas. No essencial, porém, o problema é este: não é possível ao telespectador programar adequadamente uma semana de TV. Se for de férias, então, está tramado: tendo IPTV, em princípio, ainda conseguiria mandar gravar um programa via telemóvel – mas, às vezes, nem sequer no próprio dia o browser oferece a programação completa.
Mais um problema para os canais generalistas em relação aos temáticos, onde regra geral os alinhamentos são bem mais regulares e é bastante mais fácil, aliás, gravar em série. Mais um problema – e, por esta altura, já são tantos…

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 2 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 16:55

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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003) e “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado... (saber mais)
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