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28 Novembro 2009

Primeiro, parece um objecto estranho – e, quando se vai a ver melhor, é mesmo. Sem Pés Nem Cabeça, que ocupa as madrugadas do Porto Canal, é um espécime único. Do ponto de vista do conteúdo, como que recupera o mote de Seinfeld, que a si próprio chamava “um programa sobre nada”. Do ponto de vista da forma, faz lembrar (ainda que involuntariamente) Wayne’s World, o show que, no filme homónimo de Penelope Spheeris (1992), Wayne Campbell (ou Mike Myers) conduzia numa obscura estação de cabo de Chicago.

Ao longo de uma hora (01.30-02.30), uma única rapariga olha para a câmara e discorre sobre aquilo que lhe passa pela cabeça a pretexto das SMS enviadas pelos telespectadores. Curiosidade: a rapariga (Bárbara Rego) é linda – e o ostensivo sotaque nortenho em que se expressa apenas reforça o seu magnetismo. Problema: todos os espectadores estão ocupados apenas com a sua beleza – e o que daí resulta é precisamente isso: uma hora em que, exceptuando duas dúzias de chavões sobre as relações românticas, se fala de uma mulher e de como ela é bonita.
Não é bem televisão: é rádio com imagens – um programa nocturno para solitários, próximo da velha tradição onda média. E, no entanto, entranha-se-nos. Ao fim de duas ou três noites, “Baba” vira parte da família. Se estivesse num canal nacional, e tal como aconteceu a Wayne Campbell quando mudou para uma estação maior, roçaria o ridículo. Ali, no nosso único verdadeiro canal “de cabo”, faz sentido. Estranhamente.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 28 de Novembro de 2009

publicado por JN às 11:28

26 Novembro 2009

O problema da actual medição de audiências da Marktest, em que a própria quer agora introduzir mudanças, não é apenas o facto de deixar de fora, entre outros, os mais de meio milhão de assinantes Meo. O problema é que essas 500 mil pessoas têm um perfil diferente. Vêem televisão de maneira diferente – e, provavelmente, gostam de televisão diferente também.

Talvez os futuros números, obtidos a partir do momento em que a IPTV, o satélite e a nova TDT passem a ser auditados, não sejam muito diferentes dos de hoje. Mas, a avaliar pelas reacções da RTP e da TVI, manifestando-se ostensivamente contentes com as medições hoje existentes, o mais provável é que as diferenças ainda tenham significado. Dos canais generalistas, e tirando a RTP2, é a SIC quem tem mais expressão no segmento “culto” (o tipo de TV que mais se apropria a visionamentos alternativos) – e talvez seja ela quem mais tem a ganhar com novos estudos. Pode estar muito dinheiro de publicidade em jogo.
E, no entanto, este salto é apenas parte da solução. Fica ainda por resolver o problema da Internet, tanto em relação aos sites de partilha de ficheiros, como aos sites oficiais das estações. Por outro lado, os próprios canais terão de encontrar solução para a incrustação de publicidade na TV gravada e/ou partilhada na web. Estamos no início de tudo – e a nova Hybrid Broadacst Broadband, embora já chamada de “futuro”, ainda será só o “futuro próximo”.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 26 de Novembro de 2009

publicado por JN às 11:32

24 Novembro 2009

Não se esperava mais do conteúdo de O Último Passageiro (RTP1). Programado para um fim-de-semana em que já existiam O Preço Certo e Dança Comigo no Gelo, o programa de João Baião e Sílvia Alberto tinha de ser pelo menos tão tonto como os companheiros de alinhamento. E é. Os jogos são tolos, as perguntas são mal formuladas, a competição é aleatória; os concorrentes respondem de forma convicta às questões de palpite e de maneira interrogativa às de cultura geral (e, aliás, acertam muito mais nas primeiras); e os apresentadores passam hora e meia em inspiradas piadas como “Faz natação ou faz na tacinha?” ou “Ah, mas essa camisola é muito descapotável…” – enfim, a normal noite de fim-de-semana na nossa televisão pública.

O que incomoda não é o conteúdo, pois. O que incomoda é o desconchavo formal, estranho para quem tem quinze anos de superproduções (como acontece com a Endemol Portugal) e mais de trinta de concursos para a família (como acontece com a RTP). Pensava que O Último Passageiro era apenas mais um Não Se Esqueça da Escova de Dentes (SIC, anos 90)? Pois pense melhor. Na verdade, O Último Passageiro é uma espécie de Jogos Sem Fronteiras cruzado com Big Show Sic e Passeio dos Alegres ao mesmo tempo. É tudo e é nada – e, quando João Baião tenta puxar por ele, acaba ali aos saltos, desconcertado, como quem contou uma má anedota e tem de continuar a rir até que alguém se ria com ele, de forma a absolvê-lo pela impertinência. Uma tragédia.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 24 de Novembro de 2009

publicado por JN às 23:31

22 Novembro 2009

A intenção conta? Conta. A intenção de combater as agressões ao Planeta é boa? É. Mas um anúncio repleto de boas intenções também pode constituir um caso de publicidade enganosa. E é precisamente isso que o novo anúncio da ONG Plane Stupid, no ar em televisões de todo o mundo, constitui.

Ao longo de 35 segundos, o espectador é bombardeado pela mais gratuita violência: entre os arranha-céus de uma grande cidade, começam de repente a chover ursos polares – e esses ursos vão ensanguentando os beirais, ao caírem com estrépito do céu, até se estatelarem já mortos no chão, sobre caixotes de lixo ou em cima de automóveis. O slogan dura outros 20 segundos e diz: “Cada voo comercial europeu produz, em média, 400 kg de gases de efeito estufa por passageiro. É o peso de um urso polar adulto.”
Mentira. Não que cada voo produza, em média, 400 kg de gases de efeito estufa (ou GEE) por passageiro. Não que 400 kg seja o peso de um urso polar. Tudo isso é verdade. Mas 400 kg de gases de efeito estufa não significam, aritmeticamente, um urso polar morto. Nem uma baleia. Nem um hipopótamo. E é essa a mensagem que a campanha tenta passar: que por cada voo (se não por cada passageiro) sacrificamos mais um animal.
É importante estarmos atentos à polícia das boas intenções. O Planeta tem um problema, mas é preciso debelá-lo com honestidade. E se eu dissesse que, de cada vez que aquele anúncio passa numa TV, o senhor Gore ganha mais 400 kg de notas de dólar?

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 22 de Novembro de 2009

publicado por JN às 23:14

20 Novembro 2009

São duas as razões por que vale a pena acompanhar a novela em torno da renovação contratual de Oprah Winfrey com a CBS. A primeira tem a ver com uma drástica mudança na gestão do primetime televisivo dos EUA: aparentemente, deixou de fazer sentido perder dinheiro em troca de audiências. Vivemos um tempo novo – e, continuando a TV americana a marcar as tendências um pouco por todo o lado, é natural que cheguem aqui também os reflexos dessa alteração de paradigma. No essencial, acabou o despesismo.

A segunda razão, porém, é muito mais interessante. Oprah Winfrey, há muitos anos a rainha do talkshow americano, está a perder audiências de dia para dia – e o que isso mostra, dizem alguns analistas, é que o negro (ou os negros) saiu (saíram) de moda. Uma onda de euforia varreu a América durante a campanha presidencial de Obama. Mas o milagre demora, os democratas já vão perdendo sufrágios entre o próprio eleitorado negro – e, entretanto, uma tontice do rapper Kanye West, irrompendo pelo palco dos MTV Video Music Awards para exigir que o prémio entregue à cantora branca Taylor Swift lhe fosse retirado e dado à negra Beyoncé Knowles, causou mais danos do que se esperava.
Primeiro facto: Oprah Winfrey tem cada vez menos espectadores. Segundo facto: Oprah Winfrey acaba de ter o seu melhor registo de audiências em dois anos, ao levar ao seu Oprah a republicana Sarah Palin, de quem já se diz ser a próxima grande anfitriã de talkshows. Esta novela não perco eu.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 20 de Novembro de 2009

publicado por JN às 19:15

18 Novembro 2009

É fácil perceber o que leva Popota, a hipopótama da publicidade ao Modelo, a encantar as pessoas. Livre de medos, muito mais do que de “preconceitos” ou “tabus” (para desgraça dos nossos chavões jornalísticos), Popota é a Miss Piggy de um tempo em que ser gorda já não implica necessariamente ser feia e em que ser desajeitada já não impede ninguém de ser sexy. A personagem não uma ideia genial, mas é uma boa ideia. A campanha é um êxito admirável, mas não inesperado.

Na verdade, o que Popota faz é importar para Portugal uma tendência crescente em todo o mundo ocidental (e já enunciada entre nós, por exemplo, pelas campanhas do Meo): a criação de publicidade destinada a ganhar uma segunda vida no YouTube e na Internet em geral. E para essa segunda vida, naturalmente, os dois conceitos centrais da publicidade tradicional, o slogan e a key vision, não chegam: é preciso apostar nas narrativas, nas personagens, nas situações.
Resultado: se até aqui a publicidade televisiva era fundamentalmente viral (as pessoas “aturavam-na” enquanto esperavam pelo programa seguinte), a partir daqui será cada vez mais aspiracional (as pessoas partirão à procura dela). Para as marcas, é óptimo: não só há mais espectadores, como há melhores espectadores (porque mais interessados). Para a TV, é perigoso: no fundo, é quase como se a publicidade fosse, ela própria, um novo conteúdo – e, com o tempo, há-de ficar cada vez menos claro quem deve a quem por se passar determinado anúncio.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 18 de Novembro de 2009

publicado por JN às 17:24

16 Novembro 2009

Enquanto a SIC vai gerindo a expectativa em torno de Lua Vermelha, que transportará para a TV nacional a mais relevante das novas tendências do cinema (os vampiros), a Valentim de Carvalho Filmes prepara-se para fazer estrear nas salas Uma Aventura na Casa Assombrada, que transporta para o cinema a mais relevante das novas tendências da TV nacional (a ficção para adolescentes). Pensando bem, era inevitável – e, perante o golpe de sorte suplementar que constituiu a quase simultânea chegada de Isabel Alçada ao Governo, é êxito garantido.

Mas é importante que se trate mesmo de cinema, não apenas da transposição para um ecrã maior dos mesmos recursos criativos e das mesmas opções estilísticas da nossa ficção para miúdos. Em grande parte, foram isso os dois primeiros filmes da VC Filmes, Amália, o Filme e Salazar-A Vida Privada: os mesmos guiões pobrezinhos e as mesmas interpretações vácuas das telenovelas lusas (ou lá perto) – e depois aquela mise en scène denunciada, aquela gestão preguiçosa da câmara e aquela fragilidade de efeitos que na TV ainda passa, mas no cinema nem pensar.
Já há algo de constrangedor em ler que Isabel Alçada passou as férias de Verão a escrever, na companhia de Ana Maria Magalhães, quatro novos livros (repito: quatro livros numas férias) da saga Uma Aventura. Para despachar filmes ao mesmo ritmo, mais vale à VC ficar-se pelos telefilmes – e, entretanto, torcer para que este público continue sem ganhar maturidade.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 16 de Novembro de 2009

publicado por JN às 20:57

14 Novembro 2009

Luís Freitas Lobo sabe tudo sobre futebol internacional e domina como ninguém a linguagem da estratégia. Rui Santos conhece todos os botõezinhos erógenos do adepto anónimo e foi capaz de construir um mercado só para si. João Querido Manha, António Tadeia, João Rosado – Portugal tem excelentes comentadores de futebol, incluindo rádio e TV, contemplando leitura táctica ou registo estatístico. A última coisa de que precisávamos, na verdade, era de mais um comentador.

Pensávamos nós. Na verdade, nós precisávamos de João Vieira Pinto (RTPN). Com uma bela carreira como futebolista, a que só faltou uma experiência bem-sucedida no estrangeiro (mas não faltaram os títulos, as polémicas e os admiradores), JVP vem-se revelando um excelente comentador: complexo sem ser indecifrável, ponderado sem ceder ao politicamente correcto, bom comunicador sem cair no cliché – e, sobretudo, conhecedor das idiossincrasias das quatro linhas, do balneário, dos estágios e dos dias de folga.
É esta última a característica que o distingue dos seus novos colegas. E é tudo o resto o que o distingue dos colegas anteriores. Mais ou menos polidos, os ex-futebolistas que vão à televisão (e mesmo os da “Geração de Ouro”, com direito a nome próprio e apelido) têm revelado quase sempre capacidade para conjugar predicados com sujeitos e quase nunca capacidade para desenvolver uma ideia que seja. JVP não é um príncipe da oralidade, mas tem coisas para dizer.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 14 de Novembro de 2009

publicado por JN às 18:33

12 Novembro 2009

A primeira coisa que encanta em Plano Inclinado (SIC Notícias) é o seu tom. Planeado à medida de um sábado à noite, o novo programa de Mário Crespo inscreve-se na mesma tradição de Sociedade das Nações ou Negócios da Semana (ambos igualmente da SIC-N): conversa assertiva mas íntima, sem preocupações quanto à agenda do dia ou qualquer tentação de forjar actualidade aos gritos.

E, no entanto, não é essa a sua principal força. A sua principal força está, mais até do que em Mário Crespo (uma das melhores coisas da nossa televisão, já aqui o disse), em Nuno Crato e Medina Carreira. Peritos na descodificação, o fiscalista e o matemático são dois dos nossos mais úteis public intelectuals. E juntá-los no mesmo programa parece uma excelente ideia: independentemente do tema em debate, eles preparam-se para gerar uma dualidade anjinho/diabinho – ou polícia bom (Crato)/polícia mau (Carreira) – que trará dinâmica ao programa.
Daí que não se perceba muito bem o que ali faz João Duque. Competente na sua área, mas menos hábil na manipulação de generalidades com que, em TV, se faz a ponte entre as especificidades que importam, Duque não é bom nem mau, nem zangado nem afável, nem preto nem branco: é apenas mais um para ratificar (como aconteceu na primeira edição) a opinião generalizada de que o Estado tem peso a mais na sociedade. E seria bem mais interessante se, como noutros programas parecidos, aquela cadeira ficasse reservada a um convidado rotativo.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 12 de Novembro de 2009

publicado por JN às 23:17

10 Novembro 2009

Um estranho espectáculo decorreu esta semana em Amares. Perante uma desconcertante plateia que incluía José Castelo Branco, Fernando Rocha, Jel e Emplastro, a “vidente” Linda Reis agarrou-se ao varão da discoteca Lagar’s, despiu-se ao som de uma dança, esticou o dedo na direcção dos homens sozinhos, escolheu um, baixou-lhe as casas e presenteou-o com um felatio.

Diz o Correio da Manhã que Jel e Emplastro “ficaram perplexos” – e que o próprio Castelo Branco, detentor de experiência no (digamos) mundo do espectáculo, se sentiu constrangido. Ouvido Herman José, o homem que catapultou Pomba Gira para a “fama”, a reposta já foi diferente: “É a sua maneira de ganhar a vida. As pessoas divertem-se que nem umas doidas. Só lá vai quem quer. Não reconheço a ninguém o direito de se armar em arauto dos bons costumes.”
Não sei se é preciso recordar a Herman porque é que ele deixou de ter lugar na TV. Suponho que não – até porque ele não reconhece a ninguém o direito de se armar em arauto do que quer que seja. Mas não deixo de registar que a televisão que a certa altura ele personificou hoje quase não existe – e, principalmente, não existe de todo nos canais generalistas, vocacionados para a família.
A TV portuguesa está mais decente. Salvo excepções, a ficção é menos gratuita na sua malícia, os talkshows preferem encantar a chocar, os próprios reality shows estão mais benignos. E é impossível dissociar isso da proscrição de figuras como Herman ou Teresa Guilherme.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 10 de Novembro de 2009

publicado por JN às 23:44

08 Novembro 2009

Se os concursos de talentos com talentos estão esgotados, o que dizer dos concursos de talentos sem talentos? Pois parece ser esse o caso de Família Família, a novo aposta da RTP para as sextas-feiras à noite. Na primeira edição, pelo menos, foi assim: duas horas, dez pessoas e seis provas não revelaram um único mérito. Quando muito, houve uma adolescente que dançou sofrivelmente. Tudo o mais foi penoso: o canto e a dança, o playback e a representação. Aparentemente, já ninguém se envergonha de ir fazer tontices à TV.

De resto, parece mais do mesmo. O guião é, para já, demasiado explicadinho, como se se dirigisse às crianças – mas era a primeira edição, há-de melhorar. Sónia Araújo dá ares de apresentadora de trazer por casa, sobretudo se comparada com Catarina Furtado ou Bárbara Guimarães – mas, pronto, está a viver o seu momento mais alto, é normal que sejam precisas correcções de trajectória. Até porque, grosso modo, o que continuamos a ter é uma “gala”, não um concurso” – uma nova versão de Família Superstar, da SIC, e não uma actualização do velhinho Entre Famílias, da RTP.
E, porém, resiste o problema dos concorrentes. É preciso encará-lo: já não há mais ninguém (pelo menos com talento) para ir cantar, dançar ou representar à TV. E isto de colocar uma família de betinhos urbanos (os D’Orey, que se lê “Dórê”) em confronto com um clã rural (os Ventura, que se lê “Ventura” mesmo) pode ter graça uma vez, mas gasta-se depressa.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 8 de Novembro de 2009

publicado por JN às 21:24

06 Novembro 2009

Se me perguntarem qual prefiro, entre Sempre a Somar (TVI) e Quando o Telefone Toca (SIC), escolho talvez a versão da SIC, mais frenética e sonorizada – o placebo ideal, no fundo, para uma noite de solidão repleta de energia difícil de conter. De resto, nenhum deles é propriamente um programa de televisão: são ambos um negócio.

Os prémios têm valores ridículos: podem ser de 100 euros, podem ser de 200 euros – e, quando são de 1500 euros (valor que nunca vi alguém ganhar), já trazem apensa, em letras grandes, a designação “Jackpot”. Entretanto, os “concorrentes” (o público em casa) vão enchendo outro balão, naturalmente muito maior, através das chamadas de valor acrescentado.
Não há uma ideia, uma graça, uma conversa: tudo assenta no “palpite” (o que estará por detrás daquele painel dedicado a “animais da quinta”: estará “porco” ou estará “vaca”?) e na capacidade das apresentadoras (todas bonitas) para repetir ad aeternum, no melhor tom Big Show Sic, as “excelentes” respostas de quem escolheu porco em vez de vaca, pato em vez de galinha e cão em vez de cabra.
No fim, fica sobretudo a admiração pela capacidade daquelas raparigas para, na ausência de novos telefonemas válidos, empatarem a atenção do espectador durante longos minutos, repetindo até à exaustão que já foram descobertas as palavras “porco”, “pato” e “cão”. Negócio infalível em TV? Aquele que se alimenta, ao mesmo tempo, da solidão e da pobreza.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 6 de Novembro de 2009

publicado por JN às 23:03

04 Novembro 2009

O que é que fazem, numa ilha deserta, um cego, uma surda, um paraplégico, uma anã, uma paciente de cherubismo e um homem deficiente em resultado do consumo de Thalidomide? Parece piada de mau gosto – e também o é. Mas o que essas seis pessoas fazem juntas numa ilha deserta é um reality show tipo Survivor. Cast Offs estreia dia 24 no Channel 4, canal público britânico – e, se eu o refiro aqui, é para começar de imediato a combater qualquer possibilidade de virmos a tê-lo em Portugal.

“Aquelas pessoas são deficiente, mas também dizem palavrões, fazem piadas sobre sexo e dizem coisas politicamente incorrectas”, sublinha Jack Thorn, argumentista. “Por outro lado, vão mostrar que podem sobreviver numa ilha deserta. E, se podem fazê-lo, também podem interpretar as personagens deficientes na TV e no cinema. Continuar a entregar esses papéis a actores saudáveis é uma descriminação”, acrescenta.
Boas intenções? Pois atentemos nas palavras de Victoria, a paciente de cherubismo (doença deformadora da cara, como em “A Máscara”, de Peter Bogdanovich): “Vão mostrar-nos como adultos que bebem álcool, dizem palavrões e fazem sexo.” Pois aí está, no press release do Channel 4, a segunda referência ao sexo em meia dúzia de linhas apenas. Mas alguém tem dúvidas de que é isso que o canal quer: assistir a uma cena de sexo entre uma anã e um paraplégico? Mas alguém ainda acredita nas boas intenções de um reality show, qualquer que ele seja?

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 4 de Novembro de 2009

publicado por JN às 23:51

02 Novembro 2009

Não se deve tomar por absolutos os estudos de audiências. São feitos por estimativa, claro – e, para além disso, há vários tipos de consumo (TV gravada, TV via YouTube, etc) que simplesmente não são auditados. Da mesma forma, não se deve tomar por absolutos os números de clientes apresentados por cada distribuidor. Todos os dias há gente que pirateia televisão e gente que deixa de pagar a conta – os dados existentes são, no fundo, meros indicadores.

Mas há um ponderação interessante a fazer entre dois números divulgados nos últimos dias. O primeiro está no relatório da Anacom relativo aos três primeiros trimestres de 2009, em que se denuncia a existência de 47 mil novos consumidores de TV por subscrição. O segundo está entre os dados da Marktest relativos ao consumo de televisão, ao longo do mês de Outubro, entre os clientes desse sector: menos 0,6% de espectadores (ou seja, cerca de 60 mil) na comparação com Setembro.
A contradição parece simples flutuação de contingência, mas é talvez mais do que isso. Na verdade, quanto mais clientes de TV por subscrição houver, menos televisão se verá. O consumidor torna-se muito mais selectivo, vendo apenas o que quer (e não a emissão em contínuo) – e recorrendo até, às vezes, a expedientes que escapam à audiometria existente. E esta não é apenas uma realidade a que os medidores terão de adaptar-se: é uma realidade a que os próprios canais não poderão ficar indiferentes. Até para proteger os seus anunciantes.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 2 de Novembro de 2009

publicado por JN às 19:53

02 Novembro 2009

A TVI diz que Lua Vermelha, a nova série da SIC sobre vampiros, é uma cópia da saga literária e cinematográfica Crepúsculo, de Stephenie Meyer. Jorge Marecos, director da SP Televisão (e produtor de Lua Vermelha), diz que a TVI já lhe copiou Rex, New Wave e Fábrica dos Sonhos – e que é em Queluz, na verdade, que existe o hábito de copiar tanto a concorrência como os modelos internacionais.

É uma polémica tão inesperada quanto surpreendente. Na verdade, a cultura da cópia vive bem instalada em todos os canais generalistas nacionais – e, se há uma estação que possa reclamar o seu alinhamento como mais original do que os dos outros, seguramente essa estação não será a SIC nem será a TVI. De resto, basta assistir a um só dia de emissão de ambos os canais em simultâneo, de manhã até à noite, para perceber o essencial: os programas são os mesmos, passam às mesmas horas e são apresentados da mesma maneira por pessoas que só não se vestem todas de igual porque ninguém se veste como Manuel Luís Goucha.
Quanto à ficção nacional existente em ambos os canais (ou, aliás, em todos os três), a única coisa que pode lamentar-se é raramente ser verdadeiramente nacional. Se o dilema é português, a abordagem é universal; se as personagens são portuguesas, o guião é de lado nenhum – e, entretanto, a ideia nunca é nossa. O melhor programa da ficção nacional dos últimos anos? Conta-me Como Foi. Portugal todinho ali – e, no entanto, formato espanhol.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 31 de Outubro de 2009

publicado por JN às 19:48

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Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003) e “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado... (saber mais)
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