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31 Outubro 2009

É uma boa notícia, de certa forma, a chegada de Jorge Lacão à tutela da comunicação social (e, portanto, da televisão). Augusto Santos Silva fez o que tinha de ser feito (e geriu bem, para o seu Governo e para o seu partido, uma série de crises), mas fez também mais do que isso. Em muitos momentos foi, na prática, uma espécie de ministro da Propaganda em tempos de democracia – e Jorge Lacão, até pelo seu perfil mais guerrilheiro e translúcido, terá menos propensão para esse estilo de comunicação.

Mas ainda não foi desta que os media passaram para a tutela do Ministério da Economia – e esse, sim, é o passo que, em algum momento, a democracia terá de dar. Todos o sabemos: os órgãos de comunicação social têm especificidades. Mas o seu grau de especificidade é cada vez menos relevante se comparado com os de uma série de outros sectores da economia, da energia ao turismo, do pequeno comércio à indústria. E, com ou sem RTP e RDP, trata-se igualmente de matéria de natureza económica, não de natureza política.
Para seu próprio bem, e para o bem dos seus consumidores, os media deixarão um dia de ser “especiais”. Nessa altura, serão menos regulados e cometerão talvez mais excessos. Mas serão também mais livres – e, inevitavelmente, deixar-se-ão influenciar menos pela lógica partidarista da nossa vida pública. Cabe a Jorge Lacão provar que se pode “evoluir na continuidade”. Uma gestão da pasta à Santos Silva apenas reforçará o problema.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 29 de Outubro de 2009

publicado por JN às 17:42

27 Outubro 2009

É sempre assim: instala-se a recessão económica e as pessoas passam de imediato a ver mais televisão, um entretenimento barato e exercido no conforto do lar, essa fortaleza a que nunca falta pelo menos alguma capacidade para blindar-nos do inimigo lá fora. Ainda esta semana Roma Khanna, presidente da Universal Networks International, uma das referências mundiais no mercado da TV por subscrição, o dizia, regozijando-se com a subida do número de clientes: “Perante o aumento do custo de vida, a opção pelo entretenimento em casa, com a família e os amigos, tornou-se mais atraente.”

Daí que não seja fácil entender a entrevistada dada aqui há uns dias, ao Correio da Manhã, por Manoel Carlos, autor da telenovela da SIC Viver a Vida. Dizia ele, em tom pesaroso: “Hoje, com a Internet, já ninguém sai de casa.” Ora, eu pergunto-me se, aos 76 anos, e depois de mais de 30 a escrever telenovelas, Manoel Carlos ainda não percebeu o segredo do sucesso do seu negócio. Quanto mais gente pobre (ou com medo da pobreza) existir, mais gente estará a ver televisão – e, quanto mais gente pobre estiver a ver televisão, mais gente haverá para prender durante horas ao ecrã, ao longo das intermináveis maratonas de telenovelas em que as estações comerciais portuguesas e brasileiras baseiam o seu primetime.
Felizmente, o futuro não passa por aqui. Mas, enquanto durar o presente, talvez não ficasse mal pelo menos algum decoro.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 27 de Outubro de 2009

publicado por JN às 21:06

25 Outubro 2009

Não é difícil explicar porque é que, em condições semelhantes de recepção, a IPTV é melhor do que a TV por cabo. A possibilidade de gerir a emissão em contínuo e a prerrogativa de gravar, isoladamente ou em série, o que não se viu (ou um dia se quer rever) são duas novidades demasiado grandes para se ignorar. Mas há ainda, na IPTV, um serviço adicional a que nem sempre temos dado a atenção que ele merece: o aluguer de filmes.

Podemos lamentar o fim próximo dos videoclubes, sim: o fim daquela troca de solidões à sexta-feira à noite, o fim daquele debate com a empregada que gostamos de fazer sentir que percebe muito de cinema (apesar ter uma predilecção por filmes do Bruce Willis) – e mesmo o fim daquela preciosa possibilidade de manusear as caixas de filmes antigos, percorrendo com a ponta dos dedos uma parte da nossa biografia. De resto, porém, só há vantagens.
Nem todos os menus estão carregados – e, de resto, o catálogo ainda não é extenso, havendo sempre filmes que têm de sair para dar lugar a outros. Mas é um conforto enorme alugá-los a partir de casa (e a preços semelhantes). É um conforto poder assistir ao trailer de muitos deles antes do aluguer. É um conforto navegar entre episódios sem ter de regressar ao menu, bastando as teclas de avanço e retrocesso do comando. E é um conforto que o filme que pretendemos nunca esteja “fora” (como estão sempre nos videoclubes, ao fim-de-semana, os primeiros quinze filmes que escolhemos).

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 25 de Outubro de 2009

publicado por JN às 23:00

23 Outubro 2009

“Mas é agora que eu vou construir/ Mais, para chegar mais longe/ P’ra lá do horizonte/ Para além de te poder sentir”, diz uma estrofe. É o primeiro single do disco de estreia de José Carlos Pereira, actor da nossa indústria de telenovelas – e o mínimo que se pode dizer é que se trata de um cantor que nasce e já vem crescido. Crescido, pelo menos, no contexto de outros jovens cantores lusos de sucesso, como João Pedro Pais ou André Sardet (de resto, e sem surpresa, os seus padrinhos na aventura).

O disco chama-se Azul e o single M’Água. Não vale a pena deixarmo-nos iludir pelo arranque à Jack Johnson, com a viola esgarçada em tom funky: tudo não passará, enfim, de mais do mesmo na actual música FM portuguesa. A letra assenta no velho truque de colocar os verbos no fim, para garantir a rima; os arranjos forçam a correspondência esquemática entre frases musicais e textuais – e, naturalmente, não há melodia que resista a isto tudo. Mas pior do que Pais e Sardet, de facto, não é.
Vai vender. José Carlos é actor, é médico, é bonito, é namorado de Mafalda Pinto – já tem toda a imprensa do coração à perna com o disco. Para baixar um pouco as expectativas, foi avisando: trata-se de uma obra “mais situacional”, não “emocional”. Decididamente, tenho de ouvir mais. Quem me garante que não é desta que encontro enfim um autor cujo primeiro single é pouco melhor (se o é) do que Eu Tenho Dois Amores, mas que ao segundo já ultrapassa La Bohème?

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 23 de Outubro de 2009

publicado por JN às 19:30

21 Outubro 2009

A reacção de José Aberto Carvalho a qualquer tipo de sugestão de que a RTP é manipulada pelo poder tem muito de tranquilizador. Basta perceber uma simples suspeita que o director de informação da estação pública, como o próprio provou mais uma vez durante a conferência realizada no auditório da Fundação das Comunicações para a comemoração dos 50 anos do Telejornal, arregaça as mangas, endurece a voz e dispara sobre o desconfiado. “Hoje o director de uma estação de televisão não pode ser pressionado pelo poder político”, garante – e, ao assistir à energia da sua reacção, todos nós ficamos a saber que, sempre que se verificar uma manobra de pressão, ele fará todos os possíveis para resistir a ela.

Mas eu ficaria ainda mais descansado se ouvisse José Alberto Carvalho acrescentar as palavras: “apesar das muitas tentativas que o poder faz todos os dias.” Porque o faz. Porque sempre o fez. E porque sempre o fará enquanto houver televisão pública – esteja quem estiver à frente da informação da RTP, esteja quem estiver no poder. Mais do que (ou para além de) ser da própria natureza do homem, isso é da própria natureza do serviço público. Seria especialmente tranquilizador se o director de informação dos canais públicos, mesmo sem denunciar os seus autores (hoje virão todos do mesmo quadrante, mas noutras alturas vieram e virão de outros), reconhecesse a existência de pressões. E apenas podemos desejar que ele ao menos as reconheça para si próprio.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 21 de Outubro de 2009

publicado por JN às 13:33

19 Outubro 2009

É sempre assim. Passo uma semana num hotel – e de imediato me sinto em desactualização quanto à TV (e, de alguma maneira, quanto ao mundo). Primeiro porque muitos hotéis, por muito bons que sejam, continuam sem um pacote decente de televisão. Depois porque, mesmo tendo-o, não dispõem quase nunca de IPTV, permitindo-me gerir a grelha à minha maneira, mandando gravar o que não posso perder, saltando a publicidade que gosto de evitar e (o que é o mais importante de tudo) vendo o que quero ver quando posso e quero vê-lo.

Não me canso de dizer: o paradigma mudou. E o facto é que mudou de mais para que as cadeias hoteleiras mantenham esta oferta. Hoje, quem se instala num hotel e, ao fim de um dia de trabalho e reuniões e chatices, tenta descomprimir em frente à TV depara-se quase sempre com um panorama desolador, com os quatro canais generalistas nacionais, meia dúzia de estações em inglês ou alemão e uma série de posições em que há chuva e mais nada. É assim no estrangeiro e é assim em Portugal também. De Norte a Sul – e incluindo o Algarve, terra de turismo de massas, onde por estes dias instalei a minha base.
No fim, acabamos a percorrer os velhinhos generalistas, para cima e para baixo (e de novo para cima). Tudo bem: para quem gosta de tomar o pulso ao país, também é preciso fazer esse exercício de vez em quando. Para quem gosta mesmo de ver televisão, contudo, já é pouco. E, se não se gosta ler, deve ser um desespero.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 19 de Outubro de 2009

publicado por JN às 23:39

17 Outubro 2009

Maitê Proença é tonta? Admito que sim. Nunca sequer li um livro dela – não posso ajuizá-lo com grande acuidade. Mas, de facto, o vídeo que ela fez para o programa Saia Justa, do GNT, parece indiciá-lo: é um pouco tonta – ou talvez, quem sabe, bonita de mais para o seu próprio bem.

Foi apenas isso, porém, que Maitê fez: dizer umas tontices, de resto de maneira assumidamente histriónica. Daí até nos sentirmos ofendidos no orgulho pátrio, ao ponto de iniciarmos subscrições na Internet ou exigirmos via TV (com a chancela dos pivôs) um pedido de desculpas formal à grande nação lusa, vai uma enorme diferença.
Essa diferença nem sequer se chama “sentido de humor”: chama-se “grandeza”. Foi isso que nós denunciámos em nós próprios, ao longo desta semana: falta de grandeza. No fim, fomos tão tontos como ela. Mais tontos ainda, aliás, pois sujeitámo-nos a que uma provável tonta pudesse dizer, lá do alto: “Estes portugueses não têm o mínimo de auto-ironia.”
Digo “nós” porque foi assim que a história ficou no Brasil: “os portugueses” ficaram zangados. Na verdade, quero deixar aqui claro que não estou zangado coisa nenhuma: simplesmente não consigo sequer sorrir com piadinhas tão primárias e sem criatividade como as de Maitê.
O resto seria justiceirismo parvo. “Os portugueses”, aparentemente, andam numa sede imensa dele. Os jornalistas, claro, também. Eu bem avisei que o fim do ciclo eleitoral ia ser uma orfandade.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 17 de Outubro de 2009

publicado por JN às 10:31

14 Outubro 2009

A entrevista de José Eduardo Moniz à Briefing tem um momento comovente. Ao declarar que escrevia pessoalmente algumas das peças com que Manuela Moura Guedes arrastava pela lama, no Jornal Nacional de Sexta, a confiança que os espectadores da TVI haviam depositado na sua consciência e no seu critério, o ex-director geral da estação de Queluz como que lhe faz uma declaração pública de amor. É bonito ver um casal assim, apaixonado, ainda por cima ao fim de tantos anos. Eu, se fosse director de uma revista do coração, fazia disso a minha história da semana.

Agora: nada, numa declaração de amor dessas, tem a ver com televisão, com jornalismo ou com o que quer que verdadeiramente interesse quanto a Moniz (ou sequer a Manuela). E não deixa de ser curioso (até constrangedor), por esta altura, vê-lo a dar entrevistas em que tão ansiosamente desvenda a verdadeira dimensão da influência que tinha sobre a antena da TVI ou assume que o limite das suas ambições está acima da Ongoing Media, chegando mesmo a admitir a hipótese de um dia chegar a ministro.
Talvez, neste momento, se aconselhasse maior parcimónia. A Ongoing, aparentemente, não está muito interessada em entregar-lhe todo o protagonismo (em comentário ao Correio da Manhã, Rafael Mora estranhou mesmo o dito comentário sobre um horizonte ministerial). E, aliás, aquilo que nesta altura parece, a quem olha de longe, é que Moniz já está com demasiadas saudades da ribalta para quem dela saiu há tão pouco tempo (se é que saiu).

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 14 de Outubro de 2009

publicado por JN às 10:16

13 Outubro 2009

Por esta altura, contam-se as últimas histórias: uma câmara que mudou de mãos, um presidente que a população castigou, um candidato que matou o marido de outra, uma autarca quase tão velha como a própria República. Se Manuela Ferreira Leite cair, ainda teremos um pequeno balão de oxigénio: a inevitável candidatura de Passos Coelho, os pedidos de uma vaga de fundo em torno de Paulo Rangel, o olhar ao mesmo tempo distante e próximo de Rui Rio, Santana Lopes andando por aí. Depois, no entanto, acabou-se. As presidenciais vêm longe, os referendos europeus não mobilizam ninguém. É preciso encontrar outro tema.

A política vende? Vende. A informação vende, o futebol vende – e a política, hoje em dia, tem tanto de um como de outro. O ano de 2009, aliás, foi um fartote: três eleições em cenário de recessão global – a certa altura parecia que o próprio futuro da humanidade se jogava entre Rangel e Vital Moreira, entre Sócrates e Ferreira Leite, entre Costa e Santana Lopes. A TV, claro, explorou-o até ao limite: às vezes mal, outras bem – e outras ainda muito bem, com meios cada vez mais espectaculares. E, porém, acabou-se. Acabou-se, as apostas de programação da rentrée foram fraquíssimas – e, ainda por cima, não tarda começa a chover.
Ocupamo-nos com o quê, então? Pois vinha mesmo a calhar um escândalo judicial, que de resto é nesta altura (como nos ensinaram os juízes italianos) que se devem anunciar. Senhores procuradores, não haverá por aí nada pronto a sair?

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 13 de Outubro de 2009

publicado por JN às 10:12

11 Outubro 2009

Para um amante de golfe, aquele a que já chamaram “o melhor jogo do mundo”, é uma delícia beneficiar do esforço que a SporTV vem vindo a fazer para trazer-nos todas as grandes competições mundiais, incluindo agora também a President’s Cup, que hoje mesmo se conclui no campo de Harding Park, em São Francisco. O deslumbrante swing de Adam Scott, o extraordinário jogo curto de Phil Mickelson, o mágico surgimento de Ryo Ishikawa – o melhor golfe do mundo entra-nos em casa pela noite dentro a uma regularidade cada vez maior.

No próximo fim-de-semana há mais: em Vilamoura, joga-se o III Portugal Masters, com o melhor leque de jogadores alguma vez reunido no nosso país para um torneio – e, se não fosse a SporTV, mais portugueses ainda não chegariam sequer a sabê-lo. Por outro lado, se a TV aposta no golfe, é também por causa da imensa telegenia do jogo. E foi por causa dessa telegenia que a modalidade ganhou, esta semana, um lugar nos Jogos Olímpicos de 2016 e 2020 (a par do rugby 7), ultrapassando candidatos como o basebol, o softball, o karaté, a patinagem e o squash.
À cabeça, uma estrela: Tiger Woods – o mesmo que ainda ontem passeava classe no dito Harding Park. Todos os anos é o atleta mais bem pago do mundo – e ainda na semana passada quebrou a barreira (nunca antes quebrada por um desportista) dos mil milhões de dólares ganhos. É ele que o Comité Olímpico quer – e, se o quer, é para pôr na TV. A festa começa dentro de sete anos, no Rio. Pena não ser já amanhã.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 11 de Outubro de 2009

publicado por JN às 19:10

09 Outubro 2009

A introdução do tema dos vampiros em Morangos Com Açúcar é uma ideia previsível, mas não deixa de ser uma boa ideia. Preocupada com as audiências, só com as audiências e com nada mais do que as audiências, a TVI percebeu muito bem que se trata do tema do momento. Mesmo em Portugal há, por esta altura, toda uma geração que a si própria se intitula “crepusculiana”, em referência à saga Twighlight, de Stephenie Meyer (que por seu lado, aliás, é tão “vampiriana” como L. J. Smith ou Charlaine Harris, outras best sellers globais). E, embora Alex, o vampiro dos Morangos, provavelmente não seja mesmo um vampiro, mas apenas um rapaz com um desgosto de amor determinado a gozar com a cara de toda a gente, não duvido de que ajude às audiências da nova temporada.

Mas não nos deixemos enganar: os vampiros são muito mais do que isto. Em Crepúsculo, sim, são isto e pouco mais: uma metáfora para o sexo (com o engenhoso golpe de colocar esse sexo no século XXI e entre adolescentes, cheio de beleza e de vigor, em vez de, à maneira de Bram Stoker, na bafienta Londres do final do século XIX, meio luxo vitoriano e meio “barriga da besta”, como lhe chamou Jack London). Na grande literatura vampírica, misturam-se quase todas as dualidades que importam, incluindo aquelas que opõe os homens a Deus, os homens aos animais, o progresso à incivilização, os vivos aos mortos e nós próprios aos outros. Morangos Com Açúcar nem sequer faz ideia do que tudo isso é.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 9 de Outubro de 2009

publicado por JN às 21:49

08 Outubro 2009

Talvez a questão nem se ponha – talvez não seja a SIC a decidir o que fazer com Ricardo Araújo Pereira, mas Ricardo Araújo Pereira a decidir o que fazer com a SIC. O facto, porém, é este: RAP tem hoje um tal valor televisivo (o mesmo, talvez, que um dia tiveram Herman José ou Catarina Furtado) que o melhor é Nuno Santos encontrar depressa uma proposta à sua medida. Se Ricardo não quiser fazer mais televisão, paciência. Se quiser, convém impedir que escolha a RTP ou a TVI.

Para trás vão ficando José Diogo Quintela, Miguel Góis e Tiago Dores. Durante anos, foram eles os primeiros a promover o protagonismo de RAP. Ricardo podia ser ou não o melhor criativo, mas era o melhor actor – e todos tinham a ganhar se os papéis mais carismáticos fossem interpretados pelo melhor actor. Desta vez, penso seu, cometeram um erro estratégico. Gato Fedorento-Esmiúça Os Sufrágios era para ser apresentado por todos, alternadamente – e todos os três, depois dos primeiros programas apresentado por RAP, acabaram por recuar.
Se há uma grande diferença entre Jon Stewart e os seus compagnons de route, há agora também uma grande diferença (uma diferença ainda maior do que antes) entre RAP e os restantes três elementos do grupo (e até entre RAP, aliás, e os restantes criativos portugueses da sua geração, incluindo os escritores). Não é com o Gato Fedorento, portanto, que a SIC tem de preocupar-se: é com Ricardo. Segurando-o, pode perfeitamente abdicar de tudo o mais.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 7 de Outubro de 2009

publicado por JN às 10:00

05 Outubro 2009

Anunciadas todas as estreias dos quatro canais em sinal aberto, o mínimo que se pode dizer é que a rentrée é decepcionante. No limite, e entre o que ainda falta estrear, as duas propostas mais interessantes são uma série sobre a vida animal dedicada às espécies selvagens existentes em Portugal (RTP1) e um talkshow de cariz filantrópico com apresentação a cargo de um cidadão tetraplégico (idem).

Quanto ao resto, tem sido mais do mesmo: muitos concursos na RTP, muitas telenovelas na TVI, muitas séries na RTP 2 e a já habitual dispersão de géneros na SIC, ainda à procura de um linha que lhe devolva as audiências sem a diluir no caldeirão das “privadas”. Feitas as contas, e para encontrar uma verdadeira estrela na nova temporada, é preciso regressar mais uma vez a Gato Fedorento-Esmiúça os Sufrágios (SIC), que como se sabe dura apenas mais três semanas.
O balanço é sombrio – e, se o é quanto aos canais portugueses, não deixa de sê-lo também quanto aos canais estrangeiros, tanto àqueles que recebemos via cabo e IPTV, como às grandes referências americanas. Noutras recessões, a TV contornou a quebra publicitária com mais imaginação, atacando a crise pelo lado da receita. Desta vez, atacou-a pelo lado da despesa, que é sempre a solução menos entusiasmante.
Parece normal: a televisão cresceu muito nos últimos dez anos – alguma vez haveria de contrair-se. Mas alguma coisa vai ter de sair daqui. E depressa.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 5 de Outubro de 2009

publicado por JN às 23:06

03 Outubro 2009

A brutal queda de Gato Fedorento-Esmiúça Os Sufrágios nas audiências tem duas explicações. A primeira está relacionada com o efectivo interesse dos portugueses pela política. Clubística e mediática, a eleição de um primeiro-ministro ainda é capaz de despertar paixões. Prática e obscura, a eleição de uma série de presidentes de câmara e de juntas de freguesia não desperta coisa nenhuma.

Mas isso não basta. O programa continua a receber figuras e a focar assuntos de âmbito nacional – e, porém, chega a ter agora metade das audiências (e do share) que teve ainda não há três semanas. Tem de haver uma segunda explicação, de resto relacionada com o produto propriamente dito. E há: Gato Fedorento tem perdido claramente qualidades de semana para semana.
Porquê? Pela mais simples das razões: se Daily Show, de Jon Stewart, tem mais de trinta argumentistas, aqui Ricardo Araújo Pereira, José Diogo Quintela, Miguel Góis e Tiago Dores continuam a fazer tudo sozinhos: a escrever durante o dia e a gravar durante a noite. É simplesmente impossível serem mais criativos, mais brilhante e mais bem-humorados do que já são. E precisavam de sê-lo, para fazer um programa diário desta natureza.
Gato Fedorento acaba dia 23. É pena: podia durar uma vida inteira, se a SIC estivesse disposta (que não está) a investir. Foi um marco, sim. Mas, bem à portuguesa, deu forte e passou depressa. Lamentemo-lo.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 3 de Outubro de 2009

publicado por JN às 17:38

01 Outubro 2009

A chegada de Ronaldo à televisão americana também é uma vitória de Cristiano ele próprio. Uma simples referência numa série parece pouca coisa, mas não é: muitas vezes são as menções assim, feitas num tom aparentemente marginal (e sem a intenção óbvia de “criar” uma estrela) que mais efeitos têm sobre o telespectador. Mais do que isso: Gossip Girl (SIC e AXN) é uma reflexão sobre a fama, a moda, as novas elites e, de alguma forma, a cultura pop. E foi Cristiano o referido por Serena como “namorado de luxo” – não foi Messi, nem Kaká, nem Robinho, nem sequer Beckham.

Mas a referência a Ronaldo é, em primeiro lugar, uma vitória do futebol, não de Cristiano ele próprio. Que uma série americana de primetime possa citar um futebolista como ícone popular global (mas verdadeiramente global, incluindo a América) é sinal de que o chamado beautiful game começa efectivamente a ter provimento nos Estados Unidos. E isso, por esta altura, é mérito de um homem acima de qualquer outro: David Beckham. Foi ele quem, em pleno século XXI, se empenhou em reintroduzir o futebol nos EUA – e foi ele, aliás, quem mais resultados até hoje produziu nessa área.
Falta agora conseguir um espaço para o jogo propriamente dito. Apesar de tudo, os homens bonitos são mais fáceis de promover do que um jogo de 90 minutos que, dia sim, dia não, acaba 0-0. E a verdade é que, mais uma vez, a obra só começará a completar-se quando a TV a reconhecer.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 1 de Outubro de 2009

publicado por JN às 23:41

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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003) e “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado... (saber mais)
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