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29 Setembro 2009

É com a política e, aparentemente, é com o jornalismo também. Enquanto se trata de uma coisa mais ou menos lúdica, feita de sondagens, campanhas e notícias avulsas, os portugueses apostam nuns partidos e nuns canais de televisão. Quanto se trata de algo mais a sério, incluindo votos, delegação efectiva dos destinos do país e definição do equilíbrio parlamentar, não só mudam de partido, como acabam por mudar de canal também.

Leitura grosseira? É uma leitura. Por exemplo: desde as eleições Europeias, e incluindo a pré-campanha e a campanha, o Bloco de Esquerda esteve sempre à frente do CDS. Por outro lado, há uma série de anos que, exceptuando as noites eleitorais, a TVI está à frente da RTP. Ora, este domingo, dia de decisões, o BE foi claramente batido pelo CDS, embora tenha aumentado a sua votação absoluta. E a TVI voltou a ser batida pela RTP, embora tenha sido a única a apresentar sondagens exactas.
Haja fair play: são desmandos e curiosidades de um período atípico, vivido ainda por cima numa atmosfera de recessão económica. No fim, só não se percebe porque é que, na RTP, Pedro Magalhães, da Universidade Católica, se pôs a defender tão solenemente a eficácia da sua fracassada sondagem. Aparentemente, e tal como acontece com os partidos, não há fornecedor de sondagens que perca em dia de eleições. Com as televisões é que já não se pode dizer a mesma coisa – e talvez seja essa, na verdade, a sua maior fragilidade.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 29 de Setembro de 2009

publicado por JN às 23:04

27 Setembro 2009

1. Há vários problemas em Um Lugar Para Viver, estreado quinta-feira na RTP1. Os aspectos mais formais (realização, genéricos, banda sonora) são um tanto datados. O casting é pouco verosímil (Rui Mendes não parece pai de João Lagarto). O texto é palavroso. E, sobretudo, as interpretações são (como tantas vezes) bastante overacting, impedindo uma passagem subtil da comédia à tragédia (e vice-versa). Mas a proposta tem graça: uma família enorme regressa de França a Portugal, o aparente novo el dorado da Europa – e, entretanto, ameaça passar a vida pelo país a fugir à polícia, com uma avó morta numa arca congeladora, dois primos envolvidos num semi-incesto e um genro francês que fracassa em todas as suas muitas tentativas de suicídio. A ver o que sai dali.

 

2. Sugeria ontem o meu camarada Nuno Azinheira, a propósito dos meus reparos ao facto de a RTP estrear de uma assentada três novos concursos de talentos, que a minha intenção mais profunda era exigir à RTP o cumprimento de um suposto papel de educador. Nada podia estar mais longe das minhas intenções – e, aliás, da forma como vejo a televisão e (de resto) o mundo. Simplesmente, não me esqueço de que qualidade e diversidade são dois princípios centrais na job description do serviço público de TV. Ora, três concursos parecidos parece-me respeitar pouco o da diversidade – e o facto de serem todos de talentos (e tendo em conta a nossa experiência na área) facilmente porá em causa também o da qualidade.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 27 de Setembro de 2009

publicado por JN às 22:13

25 Setembro 2009

Afinal, ainda há portugueses que nunca foram cantar ou dançar à televisão. É o que se pode depreender do facto de a RTP estrear, de uma só assentada, três novos concursos “de talentos”.

Há desafios para tudo. Em Dança Comigo no Gelo, por exemplo, Catarina Furtado propõe-se agora aquilatar do talento dos portugueses “famosos” para a patinagem artística. É apenas mais uma etapa da saga Dança Comigo, no fundo. Se um dia tivermos um Dança Comigo Na Piscina ou um Dança Comigo na Corda Bamba, aliás, não vale a pena deixarmo-nos chocar com isso: todos continuarão, como sempre, a ser essencialmente “sobre” Catarina Furtado.
Mas há mais. Sílvia Alberto e João Baião vão apresentar Último Passageiro, que pretende concorrer com Nasci P’ra Cantar, da TVI. Entretanto, Sónia Araújo conduzirá o novo Família/Família, em que, como o próprio nome indica, famílias inteiras vão colocar em confronto os diversos talentos dos seus diferentes membros.
De facto, a RTP tem-se distinguido ostensivamente da SIC e da TVI por se recusar, de forma declarada, a embarcar nos longuíssimos serões de telenovelas-e-mais-nada. Mas de que serve esse esforço se, em todo o caso, apenas nos propõe longuíssimos serões de concursos-e-mais-nada – e, ainda por cima, dos concursos menos didácticos e edificantes que se criaram até hoje?

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 25 de Setembro de 2009

publicado por JN às 16:23

23 Setembro 2009

Era a pergunta que, lá no fundo, o Rock In Rio, o Sapo e a SIC faziam. Concorreram centenas de raparigas de todo o país. No fim, ganhou Sofia Brazão, uma madeirense de 23 anos. Está a estudar Medicina, mas entretanto decidiu esgotar primeiro a possibilidade de ser estrela. Se não corresse bem, pois sim, lá teria de ser médica e pronto. Felizmente para ela, está concretizado: Sofia Brazão “é” estrela. Nem sequer é candidata: ganha a vaga de “cara” do Rock In Rio Lisboa 2010, a imprensa da especialidade já não a larga – e por todo o lado se lhe vai agora chamando “menina”, ao melhor estilo Playmate, o que nestes casos parece ser a melhor garantia de todas.

Desculpem-me se vos pareço moralista, mas o facto é que, em casos assim, é precisamente isso que eu sou. Sofia Brazão é uma rapariga esperta (esperta o suficiente para entrar para Medicina), mas também uma mulher bonita, cheia de “atitude positiva, alegria contagiante e capacidade de comunicação”, como explicou o comunicado final do Casting. E, portanto, não lhe chega conquistar aquilo com que nenhuma das outras pode sequer sonhar: ela tem de conquistar aquilo que todas as outras querem. Agora, há-de dizer que vai apresentar o Rock In Rio e voltar tranquilamente à profissão de médica. Eu temo que se habitue à deferência, à fama e ao dinheiro. No fim, ter-se-á perdido uma médica linda para ganhar apenas mais uma Carolina. Não haverá tragédia nisso?

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 23 de Setembro de 2009

publicado por JN às 23:04

21 Setembro 2009

Eu podia escrever esta crónica mês sim, mês não. Como não quero ser maçador, decidi escrevê-la de seis em seis meses. A última vez que o fiz foi a meados de Fevereiro. Entretanto, já passaram mais de sete meses. Portanto, peço desde já desculpa aos leitores (e telespectadores) pela falta. Cá vai.

Três anos depois, continuamos sem verdadeira IPTV em Portugal. Ainda esta semana o Meo anunciou o serviço Catch Up, que representa mais um passo para a consolidação da televisão digital em Portugal. E, no entanto, o mais importante continua a faltar: menus de programação actualizados.
Repito: os menus são o verdadeiro sustentáculo da IPTV. É neles que assenta tudo: a IPTV, a Smart TV, o Video-On-Demand, o Pay-Per-View. Só com os menus actualizados se pode pesquisar, pormenorizar as informações, mandar gravar. E tanto o Meo como a Zon (ou melhor: sobretudo a Zon, mas também o Meo), os dois principais operadores, continuam com enormes deficiências nesse domínio.
Há canais que nem programação têm. Há outros que têm programação, mas não têm ficha técnica. E há outros que têm tudo isso, mas não estão indexados ao motor de pesquisa. Basicamente, não permitem a IPTV. Permitem gerir a imagem em contínuo, permitem gravar aquilo que se detectou – mas não permitem mais nada.
Enquanto isto persistir, pode-se lançar os serviços que se quiser (e o Catch Up, por exemplo, é excelente), mas o essencial continua por cumprir. O essencial do contrato com os clientes, note-se.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 21 de Setembro de 2009

publicado por JN às 23:12

20 Setembro 2009

Mudam os governos, mudam as administrações, muda a actualidade, os críticos passam a defensores e os defensores a críticos. Na RTP, ao fim de quatro anos, muda (ou pode mudar) tudo. Menos uma coisa: as suspeitas de que a estação faz favores aos titulares do regime. Esteja no poder o PS ou o PSD, a insinuação volta sempre: a RTP defende o governo.

Mas nunca, naturalmente, é o Conselho de Redacção a sugeri-lo. “Naturalmente”? Sim, “naturalmente”: muito dramática teria de ser a situação para serem os próprios jornalistas a acusarem os jornalistas (a acusarem os colegas e a acusarem-se a si próprios) de favorecimento ao regime. Era preciso, talvez, que as suspeitas fossem um pouco mais do que suspeitas.
Pois esse é o único raciocínio ao dispor de quem lê o comunicado emitido esta semana pelo Conselho de Redacção da RTP/Açores. Ao longo de vários parágrafos, os jornalistas-eleitos-pelos-jornalistas elogiam umas e condenam outras decisões da direcção de informação. Pelo meio, lá vem a palavra: “censura”. Há ou não censura quando uns programas são tão obviamente negligenciados em relação a outros? E há ou não censura quando as reportagens que chegam a Lisboa, via “Notícias do Atlântico” (RTPN), protegem tão cabalmente os titulares do regime açoriano e as suas empresas de mão (como a SATA)?
O Departamento de Informação diz que não. Mas, entretanto, é objecto de perguntas e de comunicados que em Lisboa, apesar das polémicas, ninguém ousa fazer.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 20 de Setembro de 2009

publicado por JN às 23:01

19 Setembro 2009

Se a sondagem da Universidade Católica que o DN ontem divulgou tivesse sido realizada esta semana, a vantagem do Partido Socialista seria, provavelmente, ainda maior. Tendo o trabalho de campo sido executado entre os dias 11 e 14, ainda só contabiliza os votos ganhos com os debates. E José Sócrates, como já aqui se disse, ganhou mais votos ainda com Gato Fedorento-Esmiúça os Sufrágios.

É certo que, nas últimas Europeias, as urnas desmentiram as sondagens. Mas, confirme-se no próximo fim-de-semana a tendência enunciada pelos estudos, e terá sido na televisão que Sócrates ganhou estas eleições. Por um lado, é inesperado: o que se admitia, depois do caso Moura Guedes (há apenas duas semanas, note-se), era que ele as perdesse precisamente aí. Por outro, é perturbador: Sócrates melhorou significativamente a relação com a câmara, mas boa parte dos adversários partia muito à frente nessa competência.
Ainda há dois ou três anos este Primeiro-Ministro era um verdadeiro autómato em televisão. Pelo contrário, desta vez, e se formos a Gato Fedorento (inevitavelmente um dos marcos deste ciclo eleitoral), os autómatos, sem ritmo ou sem química, foram Paulo Portas (que ainda se safou nos debates) e Francisco Louçã (que esteve mal em tudo), até aqui dois profissionalões da guerra mediática. E, portanto, a actual assimetria não é só mérito de Sócrates: significa também que a oposição não percebeu onde é que, num ano como este, as coisas se jogariam.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 19 de Setembro de 2009

publicado por JN às 22:13

18 Setembro 2009

As audiências de Nós Por Cá em 2008-2009 foram uma decepção – e a SIC decidiu repensar o formato. Fez bem: Nós Por Cá foi sempre uma boa ideia e, portanto, merecia uma segunda oportunidade. Mas nem por isso o programa melhorou. Porque, para além de encurtar o tempo de emissão, reforçar a equipa e reformular cenários, genéricos e infografias, a SIC mexeu indelevelmente no seu conteúdo. Para pior.

No novo Nós Por Cá, é a actualidade que manda. Ora, se antes a equipa encontrava uma boa história e a desenvolvia, agora confere primeiro a actualidade e tenta depois encontrar uma boa história à medida dela. Naturalmente, fracassa quase sempre. Primeiro, porque é precisamente isso que todos os programas e estações e jornais e rádios e sites de informação procuram todos os dias, acertando apenas de vez em quando. Depois porque, mesmo encontrando essa história, Nós Por Cá acaba por não ter tempo de desenvolvê-la com a verve com que o faria antigamente.
Como está, Nós Por Cá é apenas uma espécie de pré-Jornal da Noite. Se o Jornal da Noite vai falar do regresso às aulas, da gripe A, do TGV e do caso Portucale, pois é do regresso às aulas, da gripe A, do TGV e do caso Portucale que Nós Por Cá fala também, deixando apenas uns quantos minutos para fait divers e para uma crónica de Luís Costa Ribas. E, portanto, ou triunfa muito rapidamente nas audiências, ou deixa de fazer sentido na grelha.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 18 de Setembro de 2009

publicado por JN às 17:03

17 Setembro 2009

No fim, Sócrates tornou a ganhar. Poucos dias depois do recontro perante Clara de Sousa, José Sócrates e Manuela Ferreira Leite voltaram a confrontar-se na SIC, sucedendo-se diante de Ricardo Araújo Pereira em Gato Fedorento-Esmiúça Os Sufrágios. A comparação das duas prestações torna-se inevitável. E o que se pode dizer é que Manuela teve incomparavelmente mais piada e incomparavelmente menos graça.

Eu explico. Se Sócrates apanhou Ricardo Araújo Pereira fragilizado pelo nervosismo da estreia, Manuela apanhou-o já quase completamente à vontade. Resultado: entrou no jogo – e, provavelmente, só perdeu com isso. Para surpresa de muitos, o que a presidente do PSD disse, na verdade, foi muito mais espirituoso e bem-humorado do que aquilo que o seu adversário dissera no dia anterior. Por outro lado, foi dito num tom pouco televisivo, lento e átono, seguramente com muito menos ganhos políticos do que as sorridentes histórias de Sócrates sobre o passado de Sílvio Berlusconi como alfaiate.
Gato Fedorento-Esmiúça Os Sufrágios fica na história por duas razões (e nenhuma tem a ver com o facto de ter feito humor com a presença de candidatos a Primeiro-Ministro, que já Herman José conseguira antes). Esmiúça fica na história porque, pela primeira vez em bastante tempo, coloca a SIC no centro das atenções; e porque prova como uma das grandes conquistas desta legislatura foi a transformação de Sócrates num homem com jeito para a televisão.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 17 de Setembro de 2009

publicado por JN às 22:57

16 Setembro 2009

A avaliar pela primeira edição (escrevo antes da segunda), Gato Fedorento-Esmiúça Os Sufrágios, que arrancou segunda-feira na SIC, é um bom programa de televisão. A questão é que podia ser excelente. E, se não o é, a responsabilidade, para já, cabe a Ricardo Araújo Pereira, o primeiro apresentador.
Se fazer televisão exige uma boa dose de irresponsabilidade, fazer televisão em directo (ou live on tape) exige duas. Ora, Ricardo não tem essa ferramenta. É demasiado inteligente e tem uma agenda demasiado ambiciosa para isso: para correr de peito aberto o risco de dizer uma asneira no meio de uma série de tiradas brilhantes.
Portanto, concentra-se no guião. E a questão é que, quando se cola um programa de TV ao modelo Daily Show, é essencial que o pivô seja, como Jon Stewart é, capaz de rasgar em direcções inusitadas, correndo o risco de uma má piada (mas ousando tentar a boa).
O primeiro Gato Fedorento-Esmiúça Os Sufrágios foi um quase-quase. Era o programa de estreia – e até o nosso “quarteto fantástico” tem direito ao nervoso da estreia. Mas foi José Sócrates quem, muitíssimo bem “briefado” sobre o que devia esperar e como podia dominar o programa, mais brilhou.
Veremos como correm as próximas edições. Para já, Esmiúça parece uma bela oportunidade para os restantes três elementos do grupo (que apresentarão o programa cada um durante uma semana) recuperarem algum do protagonismo perdido para Ricardo. É a equipa que ganha com isso.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 16 de Setembro de 2009

publicado por JN às 21:06

15 Setembro 2009

Marcelo Rebelo de Sousa tem defeitos. Às vezes, usa o programa (As Escolhas de Marcelo, RTP1, domingos à noite) para ajustar contas pessoais. Outras, esquece-se dos erros e dos fracassos que marcaram a sua própria passagem pela presidência do PSD. Outras ainda, deixa que a sua agenda política pessoal (a candidatura à Presidência da República em 2016) nos prive de uma opinião franca e aberta.

Mas Marcelo Rebelo de Sousa é também um fenómeno único na nossa TV – e um fenómeno com virtudes que vão muito para além da simples lógica partidária. Um exemplo? A preclaridade com que este domingo nos explicou o quão empatadas, apesar de tudo, estão as eleições. “Fiz as contas. Portugal tem 9.480.690 eleitores. Se votarem 65%, e tendo em conta que a vantagem média conseguida pelo PS nas sondagens é de 3%, o problema está em 183 mil pessoas”, começou. “Portanto, 90 mil pessoas, mudando para um lado ou para o outro, farão a diferença. São menos de dois estádios de Alvalade ou do Dragão. É um Estádio da Luz e mais um bocadinho.”
Não temos mais disto – e seria de alguma forma trágico se, entretanto, o programa fosse efectivamente colocado está em risco. De resto, Marcelo não parece apostado em influenciar muito mais estas Legislativas: no regresso de férias, sublinhou uma declaração de interesses, foi imparcial na avaliação dos debates e aceitou com (aparente) bonomia o facto de o futebol reduzir a 10 minutos todos os seus programas antes de dia 27.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 15 de Setembro de 2009

publicado por JN às 22:38

14 Setembro 2009

Sócrates ganhou o debate de sábado – e a melhor prova disso é que ontem, passadas menos de 24 horas sobre o recontro do ano, já não se discutia outra coisa senão a possibilidade de o primeiro-ministro efectivamente ter dito que mudaria os ministros todos em caso de recondução no cargo. Feitas as contas, Manuela Ferreira Leite não percebeu o que estava em causa. Quis discutir onde era suposto jogar, tentou jogar onde lhe cabia discutir – e, embora até nem tenha entrado mal, acabou goleada.

Bem vistas as coisas, quase todos os debates foram este ano assim. Nalguns dançou-se o tango: dois amantes fingindo uma desventura, mas deixando espaço para (no caso de vir a ser útil e possível) um entendimento final. Noutros dançou-se a valsa: o elegante encontro de dois estranhos que de repente se descobrem embalados pelo mesmo ritmo, mas nem por isso querem abdicar da hipótese de cancelar esse compromisso no exacto momento em que lhes aprouver. No essencial, porém, dançou-se sempre.
Por um lado, ainda bem. Tendo em conta os primeiros estudos, e ao contrário do que tantas vezes acontece, é bem provável que os debates de facto tenham, desta vez, ajudado a decidir uns quantos indecisos. Não se perdeu tudo, afinal. Assim como assim, num ano como este, umas eleições substantivas, feitas de temas e de estratégias, seriam sempre uma miragem. Chamam-lhe “crise” – e é mesmo isso que devemos chamar-lhe, haja ou não questões económicas envolvidas.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 14 de Setembro de 2009

publicado por JN às 19:55

13 Setembro 2009

Em Portugal, procurámos empenhadamente alguma coisa na conversa de circunstância entre Sócrates e Louça com que os pudéssemos incriminar a ambos (de preferência a Sócrates). Felizmente para eles, ninguém revelava nada de especial – a não ser uma cumplicidade e um ascendente (“Seu maroto”?) do primeiro sobre o segundo que, de certeza absoluta, nos deixam a todos menos tranquilos quanto à vitalidade da tensão democrática.

Nos EUA, uma câmara colocada do outro lado do hemiciclo, mas ligada a um microfone próximo dos dois circunstantes, apanhou o deputado estadual da Califórnia Mike Duvall a gabar-se a um colega das suas proezas sexuais com as jovens lobistas presentes em Sacramento. Mike Duvall foi destituído. Em França, o ministro do Interior Brice Hortefeux foi apanhado por uma terceira câmara fortuita (embora esta menos dissimulada) a dizer uma piadola fácil sobre os árabes. Ontem, o seu futuro político parecia em risco.
As três situações são diferentes, mas radicam todas num mesmo modus operandi: a utilização sub-reptícia de uma câmara para “apanhar” um político em falso, “desmascarando-o” como o “corrupto” que ele é (como “todos eles” são). Este justiceirismo é perigoso e começou com recurso ao YouTube. Agora, porém, já são os próprios órgãos de comunicação social (televisões, rádios, jornais) a divulgá-los. E o mais provável é que tenha chegado a hora em que devemos começar todos a ficar muito preocupados com isto.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 13 de Setembro de 2009

publicado por JN às 16:45

11 Setembro 2009

Não era preciso Júlio Magalhães ter anunciado que se havia aconselhado com a família: toda a gente sabia, desde o início, que ele queria chegar a director de informação da TVI. Já quando se falou na necessidade de chamar a Queluz os principais nomes da estação após o escândalo Moura Guedes, ele foi um dos poucos (se não o único) a admitir essa hipótese. E, se em Portugal essa assumida vontade de progredir na carreira é mal vista, é Portugal que está errado. Ainda bem que Júlio estava interessado, que está entusiasmado e que se sente preparado.

Se efectivamente estará preparado, é outra coisa. Porque Júlio Magalhães, tal como o descrevem os amigos à imprensa, é um homem de bom feitio, conciliador e incapaz de dizer não. Ora, esse parece ser exactamente o perfil oposto àquele de que a TVI precisa agora. Perante uma redacção aos tiros, a TVI provavelmente nem sequer precisava de um jornalista: precisava de um talhante. Quem conhece as redacções sabe-o bem: nomear alguém notoriamente capaz de cortar cabeças, às vezes, é a melhor forma de evitar ter de cortá-las. E Júlio, que é sobretudo um bom jornalista, vai precisar de esforçar-se muito por conseguir forjar essa imagem.
Entretanto, aliás, continua por esclarecer em definitivo o tipo de estrutura a implantar em Queluz. Dois directores com um director geral por cima? Dois directores e um deles mandando no outro? Ou dois directores apenas – e com iguais poderes? Talvez “Juca” devesse ter esperado para ver.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 11 de Setembro de 2009

publicado por JN às 18:34

10 Setembro 2009

Posto o avanço da SIC para a terceira edição de Ídolos, a questão já nem é a de saber se resiste ou não alguma criatividade na televisão nacional. Na verdade, Ídolos continua a ser um êxito em inúmeras estações um pouco por todo o mundo, incluindo em países com TV melhor do que a nossa. Só que, depois de tantos anos de Chuva de Estrelas (também na SIC) e de outros tantos de Operação Triunfo (RTP), para já não referir exemplos menores espalhados pelos anos e pelos diferentes canais, continuam a aparecer 600, 700, 800 candidatos a cada sessão de casting para concursos deste género. E esses números têm significado.

Ainda há dias, ao longo de um daqueles dias de missão à day time TV, contei mais de 20 cantores brejeiros (ditos “pimba”, de resto não sem alguma propriedade) só entre a RTP e a SIC, incluídas ambas as edições dos respectivos programas de Verão. Passaram por lá Quim Barreiros, Ana Malhoa e Micaela, que eu já conhecia – mas entretanto passaram por lá uma série de outros Tó Manéis e Anitas e Marianas e Chiquitas de que eu nunca sequer tinha ouvido falar. Inevitavelmente, perguntei-me: “Mas como é que nós conseguimos produzir tanto cantor?” A resposta, aparentemente, está aqui: continuamos a dizer a milhares e milhares de miúdos que podem fazer carreira na música – e depois dá no que dá.
Entretanto, porém, e tendo Portugal apenas dez milhões de pessoas, ainda haverá alguém que não tenha ido cantar à televisão?

CRÓNICA ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 13 de Setembro de 2009

publicado por JN às 01:30

07 Setembro 2009

É difícil explicar porque é que Rui Alves não tem razão nenhuma na sua mais recente reivindicação. Ao habitual estilo blitzkrieg, o presidente do Clube Desportivo Nacional irrompeu nos jornais anunciando a redução para três minutos do tempo atribuído às televisões (menos à SporTv, que comprou os direitos competentes) para a captação de imagens nos jogos do clube madeirense.

É difícil explicar porque é que Rui Alves não tem razão nenhuma porque, na verdade, ele tem toda a razão. O futebol conserva poucos bens transaccionáveis – e, entre eles, um dos melhores são os direitos de televisão, que devem por isso ser bem administrados. Mais do que isso, aliás. O compromisso dos Nacional (ou de qualquer outro clube), não é com o público em geral, mas com os seus sócios e os seus patrocinadores. É a Comunicação Social que tem um compromisso com o público em geral – e, portanto, se um clube entender que as televisões (e as rádios e os jornais e os sites) só entram no seu estádio pagando, não deve caber às televisões (e às rádios e aos jornais e aos sites) outra coisa senão decidir se vale ou não a pena pagar para isso.
O problema é que pedir o livre funcionamento do mercado nem sempre é bom negócio. Se, na intenção de proteger os interesses do público em geral, as televisões se unirem e boicotarem o Nacional, o clube deixará de ter visibilidade para além da televisão codificada. O seu produto desvalorizará – e Rui Alves será obrigado a ceder. Terá valido a pena mais uma barafunda?
CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 7 de Setembro de 2009

publicado por JN às 22:18

04 Setembro 2009

Ponto um: João Maia Abreu, Mário Moura, António Prata e Maria João Figueiredo não tinham outra coisa a fazer, depois do fim do Jornal de Sexta, senão demitirem-se dos respectivos cargos na TVI. Ponto dois: Manuela Moura Guedes também não tinha outra coisa a fazer senão dramatizar, sugerindo-se alvo de perseguição política e insinuando que pretendia provar hoje mesmo, sexta-feira, que José Sócrates é culpado no caso Freeport.

O problema é que, entre aquilo que as partes interessadas têm de fazer e a forma como se explica a realidade, vai sempre alguma distância. E a realidade tem vários pontos também. Primeiro: o Jornal de Sexta tinha de acabar, não porque fosse uma perseguição a José Sócrates, mas porque era uma perseguição gratuita (gratuita, repito) a uma pessoa, a um Governo e a um regime. Segundo: se há alguém a quem o fim do Jornal de Sexta não convinha neste momento, esse alguém é Sócrates.
Eu gostava de ter visto a administração da TVI declarar, preto no branco: “O Jornal de Sexta acabou porque era mau de mais.” Assim, alegando “motivos económicos”, só conseguiu duas coisas. Perdão, três. Que Moura Guedes se torne num agente central deste ciclo eleitoral, que é o que ela sempre quis; que Moniz se ria com o caos gerado após a sua saída, quando na verdade foi ele a deixar o terreno minado (e, de resto, a preparar mal o Verão); e que nós possamos continuar a defender que nunca é a qualidade a motivar as grandes decisões em Queluz.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 4 de Setembro de 2009

publicado por JN às 17:20

03 Setembro 2009

Conta-me Como Foi, nem seria preciso reforçá-lo, é uma excelente série, do melhor que temos na televisão nacional. Encanta-nos e enfurece-nos, devolve-nos memórias e ilumina-nos sobre coisas que não chegáramos a perceber. No fim, deixa-nos invariavelmente com uma doce sensação de perda: a sensação de que é assim que a televisão deveria ter continuado a ser – e, claro, a imensa pena pela certeza de que jamais voltará a sê-lo.

Mas Conta-me Como Foi encanta-nos e enfurece-nos a todos. Juntos. Encanta-nos e enfurece-nos com as mesmas coisas, no fundo – e muito difícil será continuar a fazê-lo se, como admite a RTP, vier efectivamente a ter, lá para 2011, uma sexta temporada centrada no pós-25 de Abril. Porque, quanto ao salazarismo e ao marcelismo, não há problema nenhum: estamos quase todos de acordo. Quanto ao que se tornou Portugal – e nomeadamente quanto ao que se tornaram as famílias portuguesas – em tempos de democracia, já não é assim. De todo.
Em 2011, Conta-me Como Foi não será consensual: será polémico, o que aliás representará o remate perfeito para a saga. Inevitavelmente, seremos ideológicos, seremos clubistas, seremos guerrilheiros. E então, sim, se esclarecerá a dúvida: “este” Conta-me Como Foi é como nós gostávamos que a televisão ainda fosse ou como nós, embora inconfessadamente, adoraríamos que o país tivesse continuado a ser?

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 3 de Setembro de 2009

publicado por JN às 16:14

01 Setembro 2009

Uma triste confissão de Carolina Patrocínio sobre as suas exigências na hora de comer fruta tornou-se, nos últimos dias, arma de arremesso contra Sócrates. Para os humoristas que se espalham pelas rádios, pela blogosfera e pelas redes sociais – e sejam eles humoristas profissionais ou apenas de circunstância – a forma tonta como Carolina exige comer as uvas e as cerejas (apenas depois de a empregada lhes extrair as grainhas) não é só um sinal dos caprichos e das manias que podem apoderar-se de uma betinha de Lisboa, mas também um sinal da frivolidade e da ligeireza do PS ao apoderar-se da imagem de uma betinha de Lisboa para angariar votos.
Por um lado, têm razão. Por outro, já não se pode ouvi-los. É que, por cada mandatária da juventude tonta que o PS tiver, o PSD há-de ter outra – e, entretanto, a CDU, o BE e o CDS hão-de ter as suas também. Um mandatário da juventude serve exactamente para isso: para sorrir para as câmaras enquanto os apparatchik das “jotas” colocam aquelas que entretanto convencionámos serem as “questões da juventude”, que são os casamentos gay, a despenalização do consumo de drogas e a liberalização do aborto. Basicamente, está tudo errado – e se uma tonta da TV se deixa apanhar nessa malha, pois é apenas mais uma cúmplice vitimada por fogo amigo.
Hoje é dia 1 de Setembro, arranque oficial da rentrée. O ideal é arranjarmos outro tema, que Carolina Patrocínio não tem fôlego para sobreviver à silly season.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 1 de Setembro de 2009

publicado por JN às 11:34

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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003) e “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado... (saber mais)
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