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29 Agosto 2009

A espécie humana, já se sabe, é invejosa – e quando um homem como José Rodrigues dos Santos se reclama escritor, por exemplo, essa inveja vem de imediato ao de cima. José Rodrigues dos Santos, o jornalista, pode escrever os livros que quiser. José Rodrigues dos Santos, o pivot de televisão, pode vender os exemplares que quiser. José Rodrigues dos Santos, o repórter de guerra, pode dedicar à escrita quanto do seu tempo livre quiser. O facto é que nunca passará disso: de um jornalista, de um repórter de guerra, de um pivot de televisão. Escritor, não será.

De forma que, quando José Rodrigues dos Santos arrancou com um novo programa de entrevistas na RTP-N, foi a isso que nos agarrámos. “Conversas de Escritores?” Portanto: conversas de “vários” escritores, ou “entre” escritores, pressupondo que José Rodrigues dos Santos também o é? “Que vaidoso”, suspirámos. Vaidoso e, aliás, ignorante, se em pleno Telejornal é capaz de antecipar a entrevista dessa mesmo noite com Hubert Reeves dizendo que se trata do “Carl Sagan da Europa”, quando Reeves é canadiano.
Tiro ao lado, como sempre. Pode-se gostar ou não de José Rodrigues dos Santos – o facto é que se trata de um escritor. Agora, é mais difícil de aceitar que o pivot do Telejornal use a antena desse Telejornal para promover um programa vocacionado para a deificação da sua pessoa que, entretanto, conseguiu garantir noutro canal do grupo. Principalmente quando esse grupo é público.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 29 de Agosto de 2009

publicado por JN às 20:11

28 Agosto 2009

De todas as personagens desconcertantes surgidas (ou ressurgidas) na TV nos últimos anos, a mais desconcertante é José Manuel da Costa Teso, o meteorologista da RTP. Tem um nome que já não é deste tempo, de resto enunciado à maneira de um tempo que não é este. Usa um papillon, uma pose e uma mímica que já não são deste tempo também – e, sobretudo, fala de uma maneira que há duas ou três gerações já estava fora de tempo.
“Boas notícias para os bragantinos”, diz Teso. “Tempo menos bom para a Cidade dos Arcebispos”, continua. “Animem-se, egitanienses!”, “Em Aveiro, terra de Zeca Afonso…”, “Muito calor para albicastrenses e escalabitanos”, “Para Lisboa, cidade das sete colinas…”, “Em Setúbal, de Luísa Todi…”, “Para Beja, com o seu famoso pelourinho…”… Ouvi-lo é como voltar aos exames da quarta classe dos anos 50, onde se recapitulavam os monumentos, os rios e os ramais de comboio – e, aliás, não se perdia uma oportunidade para usar um gentílico mais engraçadinho.
Os cavaleiros da TV moderna talvez não gostem dele. José Manuel Teso enche as previsões de palha e desperdiça tempo que podia render publicidade. Mas, naquele seu estilo pomposo, meio Jorge Emiliano (o árbitro brasileiro a quem chamavam “Margarida”, vão ver ao YouTube) e meio senhor-que-diz-adeus-aos-carros-no-Saldanha, traz ao boletim meteorológico da RTP ao mesmo tempo uma comicidade, um interesse e (aliás) uma credibilidade científica que nenhuma manequim conseguiria trazer.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 28 de Agosto de 2009

publicado por JN às 19:13

26 Agosto 2009

Há muitos anos que Nicolau Breyner é o nosso melhor actor de audiovisual. Outros actores conseguem boas performances, é verdade, mas no caso de Nicolau trata-se da regra, não da excepção. Nem homem nem mulher – ninguém é tão regularmente bom, tão regularmente melhor do que os outros.

Nicolau Breyner tem uma perfeita noção do timing da televisão, tal como do timing do cinema. E, sobretudo, sabe conter-se, o que é provavelmente a melhor prova da sua aptidão para o ecrã. Onde outros declamam, Nicolau conversa. Onde outros gritam, Nicolau fala baixinho. Onde os outros reeditam os exercícios de dicção da escola de representação, preocupados em fazer chegar escorreitas as palavras aos espectadores, Nicolau concentra-se nas emoções. Vê muita televisão e vê muito cinema, de certeza – e, claro, confia que a técnica fará, como sempre, o seu papel.
Mas também observa as pessoas no seu dia a dia. Ainda esta semana, numa entrevista ao Correio da Manhã (a mesma em que defendia a indefensável continuidade de Manuela Moura Guedes no Jornal das Sextas, da TVI), Nicolau o explicava: assim que lhe é entregue uma nova personagem, o seu primeiro impulso é procurar um modelo “real” sobre que trabalhar. Não sei se é o que propõe “o método” de Strasberg. Mas sei que, onde outros lêem Stanislavski, Nicolau olha para o comportamento do vizinho. É um actor – e que não seja um intelectual é coisa que só funciona em nosso benefício (e, aliás, no dele também).

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 26 de Agosto de 2009

publicado por JN às 20:03

24 Agosto 2009

“Flora Andrade”, diz a senhora. “Flora?”, confere a repórter. “Andrade”, insiste a senhora. “Flora Andrade. Então, pode contar-nos a sua anedota, por favor.” E a senhora foi por aí fora. Primeiro, um beijinho ao marido, alvo do seu incomensurável amor. Depois, claro, a piadola. Durante um discurso, José Sócrates pôe-se a enunciar os feitos do Governo. A cada feito, uma senhora grita lá de trás: “Aperta-me as mamas! !Aperta-me as mamas!” Até que um segurança a interpela: “Oh, minha senhora, o que é isso?” Resposta: “É que quando me estão a”… bom, vocês sabem… “eu gosto que me apertem”… Pronto, toda a gente viu, não?

Foi no “SIC Ao Vivo”, aqui há uns dias – e talvez mandassem as regras da crítica lembrar que quem faz televisão assim, acéfala, se sujeita a cenas destas (e que, de resto, quem insiste na participação não editada dos espectadores até está, de alguma forma, a pedi-las). Utilidade nenhuma. Estudam-se as caras dos alarves que se reuniram em torno da anedota, junta-se-lhes a cara da própria repórter (uma daquelas loirinhas das entrevistas de circunstância, muito dada a trejeitos para a câmara) e percebe-se: esta gente gosta disto. O público gosta – e os próprios apresentadores, embora chocados no imediato, não tardam a questionar-se se, apesar de cabeludo, aquele não foi “um grande momento de televisão”.
Tanto quanto posso lembrar-me, foi o pior Verão de sempre. E, caramba: ainda faltam uns dias.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 24 de Agosto de 2009

publicado por JN às 11:50

22 Agosto 2009

O problema de fundo, em relação aos debates televisivos em agendamento para o próximo período eleitoral (como para outros), não é o modelo em causa. O problema de fundo é que um partido (qualquer que ele seja, sendo que neste caso se trata do partido do Governo) tente impor um modelo, que os jornais noticiem tranquilamente que um partido impôs um modelo e que a televisão venha a aceitar esse modelo.

Voltemos ao básico, por favor. O compromisso de um órgão de comunicação social é para com o público, não para com os partidos políticos. No que diz respeito aos partidos, a única coisa que obriga os órgãos de comunicação social é a lei sobre direitos de antena. De resto, a existência ou não de debates deve ser decidida em função do interesse dos leitores, dos ouvintes e dos espectadores, não do interesse dos partidos.
Esse é o problema de fundo – e é objectivo. O problema de superfície é outro – e é subjectivo. Há quatro anos, não era preciso que o PSD debatesse com os restantes partidos da oposição, pois não se tratava de forças potencialmente em confronto. Este ano, o PSD parece discutir o resultado – e portanto devia poder debater com os chamados “partidos pequenos”, não apenas com o PS. E não porque o PSD o quer: apenas porque a única ferramenta que as televisões têm para avaliar os desejos do seu público (as sondagens, no caso as políticas) dizem que essa é uma das comparações que esse público, enquanto eleitor, precisa de fazer.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 22 de Agosto de 2009

publicado por JN às 23:01

20 Agosto 2009

Entre as muitas vantagens do arranque de mais um Campeonato do Mundo de Atletismo, a menos importante não é, seguramente, a oportunidade de voltar a ouvir os seus velhos narradores. Jorge Lopes, da RTP, é bom. Luís Lopes, do Eurosport (e, às vezes, da SportTV), é excelente – provavelmente mesmo o melhor narrador e/ou comentador desportivo português, à frente inclusive de Luís Piçarra (ciclismo, EURS), Carlos Barroca (basquetebol, SPTV) ou Nuno Miguel Santos (snooker, EURS), excelentes exemplos na sua modalidade e no seu estilo.

Luís Lopes sabe quase tudo. Prepara cada dia de trabalho, mas passa de certeza muito do tempo que outros consideram livre a ler sobre atletismo. Depois, e posto perante uma imagem, um atleta, um ensaio, é torrencial: conhece o atleta, as suas marcas e os significados destas no contexto do seu país, do seu continente, do mundo. Entretanto, ainda conhece as histórias, leu as entrevistas, decorou as manias. E, como um cineasta, abre em panorama sobre a paisagem, fecha em plano americano numa personagem, lança a grande angular sobre os seus olhos apenas – e volta a abrir e a fechar quantas vezes lhe apetece, com uma agilidade rara.
Podia falar cinco ou seis horas seguidas e nunca seria chato. Aliás: faz precisamente isso, em épocas de grandes competições. E eu nem quero imaginar como seria, por exemplo, ouvir um dos nossos comentadores de futebol durante seis horas seguidas.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 20 de Agosto de 2009

publicado por JN às 12:04

18 Agosto 2009

Está encontrada a primeira estrela da nova temporada televisiva: Jorge Jesus. Em ano de depressão, já se sabe (e como um dia reconheceu o sportinguista Durão Barroso), é assim: viramo-nos para o Benfica. Ora, este ano não há apenas depressão: há epidemia de gripe também. Portugal, aparentemente, precisa mesmo do Benfica. E o Benfica fez a primeira parte da sua tarefa: contratou um treinador e uma série de jogadores novos.

Jornais, rádios e sites passaram a tratá-lo como se de um imperativo nacional se tratasse. Como se fosse a selecção. E as televisões, naturalmente, fizeram o mesmo. Com ou sem o directo do Benfica-Marítimo, não houve estação que não dedicasse ao jogo deste domingo pelo menos um debate e três ou quatro “vivos” antes, mais outro debate e três ou quatro “vivos” depois. Quem chegasse no fim-de-semana a Portugal, não percebia só que os jornalistas são maioritariamente do Benfica: percebia que os portugueses o são também.
No fim, e como as coisas não correram bem, foi preciso varrer as frustração para algum lado. Pagou o árbitro – e, se fora caixa de ressonância da euforia original, a televisão tinha necessariamente de ser amplificador desse ajuste de contas também. Certo: são as regras do jogo. Mas vale a pena conferir se o Benfica de Jesus tem mesmo arcaboiço para levar a retoma às costas. Se não o tiver, vamos passar o ano a crucificar árbitros – e no fim, não restando mais árbitros, crucificaremos a nossa nova estrela.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 18 de Agosto de 2009

publicado por JN às 23:17

16 Agosto 2009

O mais extraordinário em “Negócios da Semana” (SIC Notícias) é a diversidade dos géneros que cobre. Às vezes é um debate, outras uma entrevista – e, se às vezes é uma entrevista política, outras vezes é uma entrevista de análise (ou mesmo, aqui e ali, uma entrevista de vida). No essencial, é um magazine. Mas, sobretudo, é quase sempre bom. Mesmo quando é fraquinho, como acontece quando lá vai Medina Carreira.

Os méritos são quase todos de José Gomes Ferreira. Capaz de olhar nos olhos de qualquer entrevistado, mas também de assumir as suas próprias ignorâncias, Gomes Ferreira é um jornalista como já não há. Normalmente, sabe do que fala; quando não sabe, pergunta. Se o tom do programa se revela “pró-governamental”, faz ele próprio oposição; se ninguém diz outra coisa senão mal do Governo, faz posição. Entretanto, vai colocando as perguntas que o cidadão anónimo, ao mesmo tempo perplexo e desconhecedor, coloca a si próprio. Porque as suas perplexidades têm sempre sentido, por muito mal formuladas que estejam.

É aqui que entra Medina Carreira. Academicamente competente mas coloquialmente desbocado, o professor é um de nós também: fala como nós e dá como nós daríamos as respostas que nós gostaríamos de saber dar. O “como” é tudo. E assim se explica a polémica do papagaio. Estávamos nós em casa a pensar: “Isto anda de tal maneira que até os jornalistas estão feitos com eles todos…” E Medina Carreira, pronto, estava lá para registá-lo.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 16 de Agosto de 2009

 

publicado por JN às 23:59

14 Agosto 2009

Fracassada a experiência na TVI, ficamos à espera das manobras de Herman José para tentar apresentar um programa no AXN, na TV Record ou no Canal Benfica. Herman tinha toda a vantagem em refugiar-se agora na rádio, na Internet, mesmo nos espectáculos ao vivo – cinco anos nas margens da actualidade, até ser recuperado como um fenómeno de culto, primeiro com direito a programa (por exemplo) na SIC Radical, depois com convites para aparecer (pelo menos aparecer) em todo o lado. Mas não quer. Ainda agora, no momento em que se soube que Nasci P’ra Cantar acaba a 13 de Setembro, a primeira coisa que deixou clara foi que pretende dedicar-se aos espectáculos ao vivo, mas ainda na expectativa de ter um talk show.”
A persistência vai deixando de ser criticável para passar a ser penosa. Por esta altura, já é como se Herman não pudesse mesmo dispensar-se da televisão. E a única esperança que podemos ter, em seu favor, é que as suas motivações sejam financeiras. Trate-se de repisa (do tipo “Comeram-me a carne, agora roam-me os ossos”) e Herman valerá um livro. Trate-se de ego e solidão (do tipo “Que sentido tem agora a minha vida sem isto?”) e valerá uma enciclopédia. Em qualquer caso, é já, por esta altura, a nossa melhor história de ascensão e queda no domínio da televisão. Por acaso, não estamos mal: ainda levámos 50 anos a fazer a primeira grande vítima. A não ser que Zé Maria também conte – e, então, já nem esse título Herman poderá ostentar.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 16 de Agosto de 2009

publicado por JN às 12:36

12 Agosto 2009

A ver se eu reproduzo bem. Nuno Graciano: “Olha, Yannick…” Yannick  Djaló: “Sim?” Nuno Graciano: “É o seguinte. Ah, meu Deus, eu sou terrível…” Merche Romero: “Olha, olha, deixa-me só perguntar. Tu ficas hipnotizado com os olhos da Luciana?” Yannick  Djaló: “Sim, sim. Fico sempre.” Nuno Graciano: “Olha, meu querido. E a Luciana deixa-te com força e vigor e fulgor para treinares bem?” Yannick  Djaló: “Sempre, sempre, sempre. Dá-me muita força.” Merche Romero: “E canta só para ti?” Yannick  Djaló: “É uma companheira fantástica.” Nuno Graciano: “Portanto, não te consome muita energia, não?”
É um extracto de uma das edições de SIC ao Vivo da semana passada: aquela em que Luciana Abreu foi lá cantar – e em que Nuno Graciano e Merche Romero a “surpreenderam” com um telefonema de Yannick Djaló a dizer que a amava acima de tudo. Em pouco mais de dois minutos, de resto bem à medida do timing televisivo, houve de tudo: juras, lágrimas, brejeirice, repreensões veladas àqueles que se metem na vida de Luciana e, ao mesmo tempo, toda a gente a meter-se na vida de Yannick. Perdido o Festival RTP da Canção, o jogador do Sporting é o novo projecto da cantora. E é como se, agora, ele namorasse com toda a gente: a televisão, as revistas, o país inteiro.
Por acaso, eu sempre disse: mais depressa Luciana Abreu arranja o seu futebolista do que o Sporting ganha o campeonato. Mas, que isto seja futebol, duvido. E, que não é televisão, tenho a certeza absoluta.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 12 de Agosto de 2009

publicado por JN às 18:04

10 Agosto 2009

O Relatório de Regulação apresentado esta semana pela ERC é equívoco, e a melhor prova disso é o capítulo dedicado à RTP. Ao centrar-se nos dados estatísticos, insistindo nas cronometragens dos temas cobertos e na contagem das fontes utilizadas, a Entidade Reguladora acaba por só encontrar virtudes na RTP, o que não será propriamente exacto. Entretanto, e ao pretender amenizar os encómios, Azeredo Lopes não consegue outra coisa senão, paradoxalmente, desmentir o estudo que ele próprio fez.
A razão por que José Alberto de Carvalho não percebe o discurso é simples: o discurso não faz sentido. Na melhor das hipóteses, trata-se de uma tentativa de justificar a própria existência da entidade. Se a informação pública for tão claramente melhor do que a privada, como indicam as estatísticas, de pouco serve uma auditoria desta natureza, com este peso institucional e este tipo de custos. Portanto, há que ressalvar: a informação da RTP é mais contida, mais diversificada e mais equitativa do que a da concorrência, mas a sua agenda não tem grandes “marcas distintivas”.
Talvez fosse melhor darmos um saltinho até ao século XXI. Num tempo assim, a que chamámos “globalizado”, o mais natural é a “aproximação das agendas jornalísticas” – e, portanto, o “princípio da distinção”está também na gestão  que se faz da matéria informativa, não apenas na matéria propriamente dita. A acreditar nos números, a RTP gere-a melhor. Porque é que não havemos de conformar-nos com isso?

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 10 de Agosto de 2009

publicado por JN às 23:57

08 Agosto 2009

José Eduardo Moniz tem razão: a saída de Manuela Moura Guedes da TVI (ou a sua saída do Jornal de Sexta, ou mesmo apenas a extinção deste formato) seria, nesta altura, um escândalo. Tanto por mérito próprio como por demérito da comunicação do Governo, Moura Guedes pode hoje orgulhar-se do estatuto de supremo rosto de uma certa oposição – e ainda por cima a oposição “daqueles que não podem fazer oposição,” com todas as vantagens daí resultantes em sede de debate público.
O problema é este: apresentado por Moura Guedes, “Jornal de Sexta” é indizível. E o novo rumo da estação (assim como o futuro do seu novo director-geral) perceber-se-á, em grande parte, por aquilo que se decidir fazer com ele. Tal é a importância daquele jornal na actual TVI: mantê-lo será dar um sinal de que a intenção é persistir na linha brejeira, superficial e justiceira que fez o sucesso do canal; extingui-lo (ou afastar Manuela) será permitir que se debata uma suposta instrumentalização governamental da estação, com claras desvantagens para todos os envolvidos (incluindo o Governo).
O dia 4 de Setembro, em que é suposto a pivot voltar de férias, será o mais importante da rentrée televisiva (e até, de alguma forma, da rentrée politica). E é menos mau para a TVI chegar lá com Bernardo Bairrão ao leme do que obrigar o seu verdadeiro novo director-geral a começar, desde já, a percorrer os campos de minas que Moniz deixou para trás.

CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 8 de Agosto de 2009

publicado por JN às 22:38

06 Agosto 2009

A saída de José Eduardo Moniz da TVI não é a notícia mais importante do ano para a televisão portuguesa: é a notícia mais importante da década. E o problema é que, independentemente de tudo o que Moniz tenha feito de mal nestes onze anos (incluindo transformar uma estação brejeira em líder nacional, e portanto Portugal num país onde uma estação brejeira lidera), não é uma boa notícia.
Entre outras façanhas, Moniz importou os reality shows, impôs as telenovelas de má qualidade e permitiu o jornalismo justiceiro. Talvez se possa efectivamente dizer que, em alguns aspectos, a TV portuguesa piorou com a sua chegada. Mas o mais provável é que, em breve, se possa dizer também que a TV portuguesa piorou ainda mais com a sua partida (se é que de uma partida se trata).
Pior do que José Eduardo Moniz foram sempre os seus sucedâneos: os vários directores de programas e/ou informação que passaram pela RTP e pela SIC e, para combater a liderança da TVI, decidiram jogar no próprio tabuleiro de Moniz, imitando-o nas maiores e mais pequenas opções. Regra geral, julgavam sempre que não sujavam as mãos como ele, mas sujavam-nas ainda mais – e, ainda por cima, não só não lideravam como, normalmente, faziam um canal pior.
Entretanto, tudo isto recai agora sobre o próximo director geral da TVI, trate-se de quem se tratar. Conseguirá ele resistir ao estigma, rasgar em novas direcções e manter a liderança? Pois terá de ser alguém muito especial.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 6 de Agosto de 2009

publicado por JN às 10:08

04 Agosto 2009

Olha-se para Os Simpsons (RTP2 e Fox), conferem-se os seus vinte anos de produção ininterrupta e percebe-se o segredo do seu sucesso: o equilíbrio entre o inviolável compromisso para com o mainstream e a militante vocação para rasgar em novas direcções. No fundo, é o exemplo acabado da “cultura popular de qualidade”, essa ilha do tesouro que a música, o cinema e a TV há tantos anos procuram e só ocasionalmente avistam.
Vender um produto não é fácil: exige conhecer o público, identificar os seus desejos e produzir um artigo exactamente à medida desses desejos, por muito pindéricos que sejam. Fabricar um produto de tal grau de qualidade que nem seja preciso vendê-lo para legitimá-lo é ainda mais difícil: exige génio, persistência e bonomia perante a ignorância daqueles que não o reconhecem. O mais difícil de tudo, porém, é isso: criar uma obra que seja ao mesmo tempo vendável sem deixar de ser inspiradora, brilhante sem deixar de ser comercializável.
The Simpsons é assim. Dura há vinte anos pela mesma razão que os filmes de Steven Spielberg ou a música de Leonard Cohen duram há décadas também: porque são capazes, ao mesmo tempo, de entreter, encantar, ensinar e desafiar – e de fazê-lo para pessoas de todas as idades, de todos os extractos sociais e de todos os backgrounds intelectuais. As três primeiras temporadas (portanto 1989, 1990 e 1991) serão recuperadas ao longo do mês de Agosto, na Fox. Melhor aula de história contemporânea seria impossível.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 4 de Agosto de 2009

publicado por JN às 16:41

02 Agosto 2009

Há um momento que se repete em quase todos os episódios de Boston Legal (Fox Crime). Danny Crane e Alan Shore estão à varanda, fumando os seus charutos após mais um dia de trabalho na Crane, Poole & Schmidt. Às vezes estão a discutir, outra vezes não. Mas fazem sempre as pazes. E, então, inicia-se a sequência. Shore (o brilhante James Spader) pergunta: “Dormes cá esta noite?” Crane (o não menos brilhante William Shatner) responde: “Outra vez essa conversa?” Os dois riem-se. Depois levantam-se. Abraçam-se. Sentam-se. Voltam a levantar-se. Tornam a abraçar-se. E sentam-se de novo.
Descrito de início como uma espécie de “Ally McBeal para homens”, Boston Legal rapidamente se revelou mais do que isso. Uma das suas preocupações é pensar a América – e, enquanto durou a campanha para a sucessão de Bush, a propaganda por Obama foi óbvia. Outra é pensar as convenções da vida contemporânea – e desde o primeiro episódio que descreve o sexo no trabalho não como uma tensão, mas como a mais humana das tentações. Outra ainda é pensar a relação entre machos – e todos os dias Shore e Crane, femeeiros empedernidos, acabam o episódio aos abraços, declarando-se amor e prometendo-se não sobreviver a uma separação.
A renovação dos contratos de Boston Legal para uma sexta temporada é uma das melhores notícias deste Verão. Ali, os homens abraçam-se sem receios – e, para isso, não é preciso serem mafiosos ou jogadores de futebol. Só amigos.

CRÍTICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 2 de Agosto de 2009.

publicado por JN às 17:00

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Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003) e “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado... (saber mais)
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