Talvez Paquete de Oliveira tenha razão e “o espectador da RTP” não aprecie “mesmo nada” o uso de estrangeirismos na televisão. Talvez a sua conclusão seja correcta e o facto de “o espectador da RTP” não apreciar “mesmo nada” o uso de estrangeirismos na televisão signifique que “quer ver respeitada a língua portuguesa”. Mas não é evitando os estrangeirismos que se protege uma língua. “O espectador da RTP”, como Paquete de Oliveira o identificou numa entrevista ao Correio da Manhã, talvez não o saiba. E o seu provedor, como prova a insistência no tema, não o sabe de certeza.
As línguas são objectos dinâmicos, para cujo desenvolvimento o estrangeirismo é essencial. Mesmo o barbarismo, a categoria mais radical de estrangeirismo, é decisivo – e milhares são as palavras, no actual português oficial (se é que o há), que começaram por ser uma coisa ou outra (ou mesmo as duas ao mesmo tempo). Ser capaz de colocar-se em confronto com palavras estrangeiras, absorvê-las e fazê-las vergarem-se às suas próprias regras – eis o verdadeiro sinal da força de uma língua. Andar desesperadamente à procura de um termo para definir uma ideia que não consegue sequer conceber – eis o supremo sinal da sua fragilidade.
São posições como a de Paquete de Oliveira que deixam uma língua refém de um desastroso acordo ortográfico como aquele que pretendem impor-nos. Felizmente, continuará a existir literatura – e, com ela, uma língua em permanente evolução.
CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 8 de Dezembro de 2009