Em Portugal, procurámos empenhadamente alguma coisa na conversa de circunstância entre Sócrates e Louça com que os pudéssemos incriminar a ambos (de preferência a Sócrates). Felizmente para eles, ninguém revelava nada de especial – a não ser uma cumplicidade e um ascendente (“Seu maroto”?) do primeiro sobre o segundo que, de certeza absoluta, nos deixam a todos menos tranquilos quanto à vitalidade da tensão democrática.
Nos EUA, uma câmara colocada do outro lado do hemiciclo, mas ligada a um microfone próximo dos dois circunstantes, apanhou o deputado estadual da Califórnia Mike Duvall a gabar-se a um colega das suas proezas sexuais com as jovens lobistas presentes em Sacramento. Mike Duvall foi destituído. Em França, o ministro do Interior Brice Hortefeux foi apanhado por uma terceira câmara fortuita (embora esta menos dissimulada) a dizer uma piadola fácil sobre os árabes. Ontem, o seu futuro político parecia em risco.
As três situações são diferentes, mas radicam todas num mesmo modus operandi: a utilização sub-reptícia de uma câmara para “apanhar” um político em falso, “desmascarando-o” como o “corrupto” que ele é (como “todos eles” são). Este justiceirismo é perigoso e começou com recurso ao YouTube. Agora, porém, já são os próprios órgãos de comunicação social (televisões, rádios, jornais) a divulgá-los. E o mais provável é que tenha chegado a hora em que devemos começar todos a ficar muito preocupados com isto.
CRÓNICA DE TV ("Crónica TV"). Diário de Notícias, 13 de Setembro de 2009